Ambiente

Mesmo vivendo longe, impactamos a Amazônia?

Por Jorge Abrahão*, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis  para Rede Nossa São Paulo

Pesquisa nacional do Ipec Inteligência para o Instituto Cidades Sustentáveis dá pistas do que pensa a população sobre sua responsabilidade compartilhada em relação ao desmatamento da floresta.

Quando perguntadas sobre os maiores problemas ambientais em sua cidade, há um empate entre coleta e tratamento de esgoto e poluição do ar, com 27% das respostas. Logo a seguir vêm poluição dos rios (26%) e enchentes e alagamentos (25%).

Em boa parte das pesquisas, impressiona o nível de consciência da população, o que só faz confirmar a ideia de que ampliar a escuta e a participação da sociedade na tomada de decisões em relação aos desafios que temos é um importante caminho para seu enfrentamento. Contribui também para o aprimoramento da democracia, que precisa ir além da escolha de representantes a cada quatro anos.

Ao eleger coleta e tratamento de esgoto como principal problema, os brasileiros reafirmam a realidade dos 100 milhões (quase a metade da população) que vivem sem coleta de esgoto, o que dá a dimensão de nosso subdesenvolvimento, isso se quisermos fugir do eufemismo “em desenvolvimento”. Este, que é um dos mais graves problemas do país, não foi enfrentado pelo governo federal, evidenciando o descaso com a situação da população mais vulnerável.

Além disso, 35 milhões de pessoas no Brasil vivem sem água tratada, segundo dados do Trata Brasil. Outro estudo da entidade mostra que, para cada real investido em saneamento, economiza-se quatro reais em saúde pública.

Quando falamos de poluição do ar, é inevitável relacionar com a saúde das pessoas. Especialmente nos centros urbanos, onde vive 85% da população brasileira, as doenças respiratórias surgem com números alarmantes. Pesquisa feita em São Paulo aponta que mais de 50% da população tem ou convive com alguém que tenha algum tipo de doença respiratória.

A origem é a poluição, sobretudo das partículas finas do diesel que entram na corrente sanguínea, gerando doenças pulmonares e cardiovasculares, entre outras. Políticas públicas que lidam com o setor de transporte coletivo poderiam mudar esta situação. Prefeitos e vereadores são atores chave neste processo.

Para a pergunta sobre se as atividades econômicas de cidades distantes influenciam muito o desmatamento, a pesquisa ficou dividida: 50% dos entrevistados disseram que influenciam muito e 43% que influenciam pouco ou nada. Aqui, metade da população tem a percepção do impacto da sua cidade, o que pode ser alentador nos dias de hoje.

Mas quando perguntada se seus hábitos de consumo têm relação com o desmatamento da Amazônia, é mais difícil a associação entre causa e efeito. Somente 25% das pessoas responderam que o consumo de carne tem relação com a derrubada da floresta.

É importante observar que a média de consumo de carne por pessoa no Brasil é de 42 kg por ano. E que 40% do rebanho bovino do país (90 milhões de cabeças de gado) está na Amazônia (número que estava na casa dos 10% na década de 1980, o que dá a dimensão do alargamento da fronteira pecuária em direção à Amazônia nas últimas décadas).

Interessante observar que desenvolvemos mais a consciência coletiva do que a individual. Quanto mais a lente se aproxima de nós, saindo da grande angular para o foco individual, menos respostas temos a oferecer. Reconhecemos que há impacto na cidade, mas não assumimos a responsabilidade pelos efeitos de nossos hábitos de consumo. Todos criamos mecanismos de defesa em relação a inúmeros problemas da vida e aqui aparece mais um caso que precisa ser enfrentado, sob risco de retornar com graves consequências para todos nós.

O enfrentamento do aquecimento global passa pela ação de muitos atores da sociedade. Cabe a cada um de nós repensar hábitos de consumo que geram impactos nos biomas: passa por repensar a relação com os alimentos (carne, derivados de soja) e produtos do cotidiano, como madeira e aço. Isto significa que não podemos consumi-los? Não, mas que devem envolver parcimônia e autocrítica.

As empresas têm enorme importância neste processo, passando por seu modelo de produção, o impacto em sua cadeia de valor, a influência no segmento em que atua e nas políticas públicas que defende. E também o poder público, que surge como regulador na defesa do interesse comum, zelando pelo meio ambiente.

É grande o desafio de reduzir emissões e evitar o aquecimento global de 2 graus celsius até o fim deste século, o que pode gerar consequências dramáticas para a maioria da população. O caminho necessariamente integra iniciativa privada e políticas públicas e inclui, também, cada um de nós.

A pesquisa mostra os desafios e sinaliza o déficit de consciência de nossa responsabilidade individual em relação aos hábitos de consumo. Como consumidores, escolher produtos de empresas sustentáveis, e, como cidadãos, votar em políticos que defendam a Amazônia e a preservação da biodiversidade de que necessitamos.

*Jorge Abrahão
Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis. 

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo.

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