A conservação da Mata Atlântica e a urbanização
Erika Bechara - A Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta, desempenha papel essencial na manutenção do equilíbrio ambiental, mesmo em áreas urbanas densamente povoadas. Embora tenha sido severamente devastada ao longo da história do Brasil, fragmentos importantes dessa floresta ainda persistem por todo o país, especialmente em regiões próximas ao litoral.

Por: Erika Bechara, doutora e destre em Direito Ambiental pela PUC-SP -
Diversas dessas áreas verdes estão inseridas ou no entorno de grandes cidades, exigindo políticas eficazes de proteção e recuperação. Nesse contexto, a preservação da Mata Atlântica em ambientes urbanos se impõe como uma necessidade legal e ambiental, para a proteção de nascentes e cursos d’água,manutenção do equilíbrio climático, da qualidade do ar e da paisagem, dentre tantos outros benefícios.
A proteção da vegetação nativa da Mata Atlântica está amparada por um conjunto sólido de normas legais. A Constituição Federal de 1988 reconhece o bioma como patrimônio nacional e determina que qualquer utilização do bioma se faça de acordo com normas e condições que assegurem a sua preservação.Essa diretriz constitucional é complementada pela Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006), que regulamenta o uso e a conservação da vegetação nativa em áreas urbanas e rurais. Além disso, o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) estabelece regras específicas para a proteção de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reservas Legais, reforçando a necessidade de conservação de elementos naturais, mesmo dentro dos limites urbanos.

Entre as áreas mais sensíveis à urbanização estão as nascentes e os cursos d’água. A vegetação existente em tais áreas cumpre funções ecológicas essenciais para a manutenção da estabilidade do solo e vazão dos rios, pois impedem erosão, assoreamento e deslizamentos de terra. A legislação vigente (Código Florestal) determina que essas formações hídricas sejam cercadas por faixas de preservação obrigatória, conhecidas como APPs, que não podem ser ocupadas e devem ser permanentemente recobertas de vegetação, ainda que estejam localizadas em perímetros urbanos. As nascentes, por exemplo, devem ser protegidas por uma área envoltória de vegetação nativa de no mínimo de 50 metros, enquanto os cursos d’água possuem faixas de proteção que variam conforme sua largura, com um mínimo de 30 metros. Essas áreas cumprem funções ecológicas e urbanas imprescindíveis, como a recarga dos aquíferos, o controle de enchentes, a regulação do microclima e a manutenção da qualidade da água.
Também merecem atenção as funções ecológicas essenciais cumpridas pela vegetação existente em áreas de encostas e áreas com alta declividade, mantendo a estabilidade do solo e impedindo erosão e deslizamentos de terra, e, dessa forma, mitigando as consequências dos eventos climáticos extremos com os quais estamos todos convivendo com indesejável frequência. À vista disso, a legislação florestal determina a preservação permanente da vegetação existente nos morros, montanhas e encostas, dentre outros acidentes geográficos.
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) também reforça a importância do planejamento urbano com base em princípios de sustentabilidade, determinando que os planos diretores contemplem medidas voltadas à proteção dos recursos naturais e redução do impacto ambiental nos projetos de parcelamento do solo e edificações urbanas.
Além da proteção de áreas já consolidadas, as leis de uso e ocupação do solo, em âmbito municipal, costumam estabelecer índices mínimos de permeabilidade e exigir a destinação de espaços públicos arborizados em loteamentos e projetos de maior porte. Em muitas cidades, esses mecanismos legais têm incentivado a criação de parques urbanos, corredores ecológicos, praças ajardinadas e outras formas de infraestrutura verde.
Outra medida de grande valor para a Mata Atlântica nas cidades é a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural na área urbana (RPPN urbana), que são unidades de conservação criadas pelo Poder Público por solicitação do proprietário privado.
A preservação da Mata Atlântica em áreas urbanas é um dever legal e ético que deve nortear as ações do poder público, do setor privado e da sociedade civil. Isso contribui não apenas para a conservação da biodiversidade, preservação de nascentes e cursos d’água, regulação climática e proteção paisagística, mas também para a construção de cidades mais saudáveis, resilientes e humanas.

ERIKA BECHARA – Doutora e Mestre em Direito Ambiental pela PUC-SP. Professora de Direito Ambiental da PUC-SP, da Saraiva Aprova e da LEC – Legal Ethics & Compliance. Coordenadora-assistente do Curso de Especialização em Direito Ambiental da COGEAE PUC-SP. Diretora da Associação dos Professores de Direito Ambiental (APRODAB). Advogada e sócia de Szazi Bechara Storto Reicher e Figueiredo Lopes Advogado
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