Casa das Histórias do Mocoham: quando a AMAZÔNIA conta a si mesma
À primeira vista, a palafita colorida erguida entre árvores centenárias pode até parecer mais um dos tantos espaços comunitários espalhados pelas margens do rio. Mas basta atravessar o pequeno trapiche para perceber que ali pulsa algo maior: um território de memória, encantamento e afirmação cultural.

Por Reinaldo Canto* -
Ilha do Combu (PA) – A Casa das Histórias do Mocoham, que visitei hoje, não nasceu de um projeto convencional – foi, como me explicaram, um presente.
Presente para quem? Para o povo ribeirinho, para a própria Ilha do Combu, para a Amazônia e talvez, sobretudo, para a nossa capacidade de continuar ouvindo aquilo que realmente importa.

O espaço carrega o selo da Secretaria de Cultura do Pará, reconhecimento que o ampara institucionalmente, mas sua força vem de outro lugar: da floresta e das vozes que a habitam.
Onde moram os encantados
Na Casa das Histórias, Curupira não é lenda, é Guardião das Florestas. Yara não é mito, é mãe d’água, protetora dos rios. Matunda, a mulher sábia, não é personagem, mas presença. Os integrantes do Mocoham chamam todos eles de Encantados, entidades que vivem entre nós e que não se separam da vida real.
As narrativas surgem carregadas de respeito e de responsabilidade. Contar histórias, aqui, não é entretenimento – é cuidar do mundo.
Uma biblioteca que virou floresta

A gênese do projeto ajuda a entender sua singularidade. A ideia inicial era simples: propor à comunidade a criação de uma biblioteca. A resposta, porém, veio na forma de ampliação:
“Biblioteca, não. Será um complexo”, disseram os moradores.
E assim foi. Com as próprias mãos, os ribeirinhos ajudaram a construir o espaço, inaugurado em 8 de julho de 2025, e que hoje segue em constante transformação.
As bibliotecas do Mocoham têm nome próprio: Samaúmas.
A explicação é tão bonita quanto poética: a samaúma é uma árvore imensa, de raízes que sustentam a vida da floresta. Criar uma biblioteca, portanto, é plantar saber. Cada livro, uma semente. Cada história, um tronco que cresce.
Contadores de histórias da Amazônia
A Casa das Histórias é conduzida por um grupo inteiramente voluntário. Pessoas que dedicam tempo e talento para que a oralidade siga sendo ferramenta de educação e cultura. São elas e eles:
Andrea, Ilana, Núbia, Tatiana, Ilza e Juraci.
Guardam histórias, símbolos e ritos. Mantêm viva a tradição dos contadores de história amazônicos, ofício ancestral que atravessa séculos e resistências.
Entre o real e o encantado
O Mocoham não transforma a Amazônia em produto exótico. Pelo contrário: restitui dignidade às suas cosmologias e reafirma que todo projeto de futuro passa por reconhecer e fortalecer quem já cuida da floresta há gerações.
Quando saí, levei comigo uma certeza:
A Casa das Histórias do Mocoham não é apenas um espaço cultural. É um ato de resistência, uma celebração da vida ribeirinha e uma convocação para que não deixemos morrer aquilo que nos liga à terra, às águas e ao mistério que nos acompanha desde sempre.
Plantar bibliotecas. Cultivar encantados. Contar histórias para que a Amazônia continue sendo não apenas um lugar, mas uma forma de existir no mundo.

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