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O que sabemos do Oriente Médio, além do que nos diz a tv?

por Samyra Crespo – Nós brasileiros somos um povo insulado. Não falamos espanhol, pouco sabemos dos vizinhos e de política internacional, então, somos usuários das agências de notícias hegemonizadas pelos grupos jornalísticos ocidentais. Aqui e ali uma pitada de jornalismo independente.

Atualizado em 28/08/2025 às 17:08, por Samyra Crespo.

por Samyra Crespo –

Nós brasileiros somos um povo insulado.

Não falamos espanhol, pouco sabemos dos vizinhos e de política internacional, então, somos usuários das agências de notícias hegemonizadas pelos grupos jornalísticos ocidentais.

Aqui e ali uma pitada de jornalismo independente. Al Jazeera, juro que um amigo afirmou ser uma midia clandestina, financiada por terroristas.

Essa nossa ignorância sobre tudo que não é promovido pelo soft power norte americano (filmes, literatura, o aprendizado do idioma) é histórica.

O Sheik de Agadir foi uma novela de árabes ‘fake’ que fez grande sucesso no Brasil há 50 anos: árabes de mentira, locações em praias tropicais. Catapultou a carreira de dos atores Henrique Martins e Marieta Severo que, aliás atuava num papel de vilã.

Dialogamos em geral com uma vaga idéia sobre o que é ser árabe: algo como odaliscas cercadas de esfihas do Habib’s ou burcas em algum lugar distante, muito quente, lembrando as areias escaldantes do Ceará.

Muita areia e muitos camelos.

Quando se fala de Oriente Medio então, a conversa resvala para o conflito israelense- palestino e vira fla-flu: há quem defenda e justifique o estado policial judeu e os que se alinhem aos palestinos.

Logo lembramos que no Brasil eles convivem em paz no Saara ou na 25 de Março brasileiros. E ficamos sossegados.

Não é culpa nossa, se fora daqui se matem.

Condenamos o terrorismo, naturalmente. Contudo, nunca aprovamos ou entendemos direito o intervencionismo norte-americano. Mal disfarçamos o “antiamericanismo” que não é um sentimento novo entre nós… ele é latente, e sempre pronto a eclodir num Continente “satelitizado” pelo Tio Sam.

As nações hegemônicas, imperiais, são assim: despertam admiração, inveja, raiva e temor.

A velha disputa da Guerra Fria, entre Rússia e EUA ganhou um terceiro polo – a China, e uma miríade de estados “pé-no-saco” como Irã, Coréia do Norte, Cuba, Arábia Saudita e todos os demais estados falidos da África. E a América Central? Tirando o holofote de Cuba, nos desconfortamos com o que ocorre no Haiti e sofremos levemente por Honduras e El Salvador, países que mal estão em nosso radar.

Estive no chamado (por nós) mundo árabe, algumas vezes: em 2009 na Jordânia e em Israel.

Em 2011 no Egito. Em 2013 na Turquia e em 2017 no Marrocos.

O que busquei ali? O passado arruinado ou romantizado desses povos, pouco me interessando pelo presente deles. Visitei ruínas, comi a boa comida deles, vi com tristeza as mulheres tão dominadas, quase ausentes do espaço público. Menos no Marrocos, em todo lado verifiquei hostilidade aos ocidentais.

A gente fala e suspira pelo “mundo árabe ” e desconhece o caleidoscópio de culturas, línguas e tradições que atravessam dezenas de países. Não há unidade etnica nem territorial nem linguística.

Mesmo o título “islâmicos” diz pouco, quando temos sunitas (a maioria), xiitas (minorias em alguns países, maioria em outros como no Irã). Eles lutam entre si e ainda perseguem grupos étnicos como os curdos, drusos e outros.

Desde os tempos antigos não há paz ali.

Quando Bush invadiu o Iraque, cansei de ver por aqui que se tratava de defender os valores cristãos ocidentais, em oposição à barbárie dos regimes tribalistas, teocráticos e cruéis – medievais, praticados em algumas ditaduras.

Engolimos essa gororoba também na invasão do Afeganistão. Com bandeirolas de torcida acompanhamos a “primavera árabe ” movimentos que liberariam a Tunísia, o Egito, o Bahrein, a Líbia e o Iêmen do jugo dos ditadores.

Por volta de 2010 parecia possível.

Hoje, dez anos depois, sabemos que em cada um desses países houve banhos de sangue e contra-revoluções que apagaram essa esperança, além de destruir as economias locais.

Tanto no Iraque quanto no Afeganistão os EUA naufragaram vergonhosamente, sacrificando mais de 6.000 soldados; as perdas do outro lado foram de 4 para um, sem contar os civis. E as diásporas? Deslocamento dessas populações pelo mundo em situação de tragédia humanitária: são mal vistos, mal recebidos, rejeitados onde quer que vão.

O livro “Os árabes: uma história “, do historiador inglês, especialista no oriente médio, Eugene Rogan (Zahar, 2021) oferece com riqueza de detalhe informações sobre o que tem sido esta saga fratricida entre os países árabes, turbinada pelos interesses das superpotências armamentistas.

No passado, o sultão mameluco, ou otomano ia à guerra liderando seus comandados, levava junto os seus comandantes, ministros e até chefes religiosos.

Hoje eles estão nas mesas protegidas de negociação em hotéis de luxo e aviões supersônicos.

A tecnologia da guerra e do terrorismo mudou.

As consequências para civis e comandados, não.

O mundo marcha para cenários terríveis e disruptivos.

Só não vê quem não quer.

A tragédia de GAZA não é isolada.

Samyra Crespo é ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

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Samyra Crespo

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