Soluções baseadas na natureza podem mudar o futuro das periferias brasileiras

A COP30 deixou claro que a crise climática não pode mais ser tratada como abstração, ao reforçar a urgência de ações concretas de adaptação e mitigação diante do aumento de eventos extremos e da vulnerabilidade social nas cidades.

Atualizado em 10/12/2025 às 13:12, por Redação Envolverde.

Visita a um jardim de Recife

Por Mariana Pontes, diretora-presidente da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES)* - 

No Brasil, os centros urbanos concentram problemas históricos: bairros periféricos convivem diariamente com enchentes, calor excessivo, deslizamentos e falta de saneamento, evidenciando a exclusão social em sua forma mais visível. Segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), nos últimos 30 anos mais de 20 mil eventos climáticos extremos resultaram em quase 4 mil óbitos e afetaram 8,2 milhões de pessoas desalojadas ou desabrigadas, enquanto cerca de 35% dos municípios seguem vulneráveis a condições climáticas severas. Esses números reforçam que a adaptação urbana precisa ir além de soluções técnicas isoladas e considerar, de forma central, a justiça social.

É nesse cenário que as Soluções Baseadas na Natureza (SBN)  ganham relevância ao propor respostas integradas capazes de enfrentar simultaneamente desafios ambientais e sociais. Elas combinam proteção, restauração e uso inteligente de áreas naturais ou modificadas, gerando benefícios para a biodiversidade, o bem-estar humano e a resiliência climática. Mais do que intervenções ambientais, essas iniciativas funcionam como instrumentos de transformação social, especialmente em territórios periféricos historicamente negligenciados.

Experiências concretas ilustram essa potência. Os Jardins Filtrantes no Recife (PE), iniciativa desenvolvida pela ARIES através do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), e o Parque Linear Raquel de Queiroz, em Fortaleza (CE), ambos apresentados na revista Parcerias Estratégicas do CGEE, mostram como soluções baseadas no meio natural reduzem alagamentos, ampliam cobertura vegetal e criam espaços de convivência comunitária. Esses resultados evidenciam que inovação urbana, resiliência e justiça climática podem caminhar juntas, oferecendo alternativas viáveis às infraestruturas cinzas tradicionais e gerando impactos reais na vida das pessoas.

Avanços institucionais também começam a redesenhar o cenário nacional. O programa “SBN nas Periferias”, da Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades, e o edital “Periferias Verdes Resilientes”, realizado em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, destinam recursos a projetos em comunidades como Maré (Rio de Janeiro), Izidora (Belo Horizonte), Nova Centreville (Santo André) e Recife (Pernambuco). Trata-se de investimentos que ultrapassam a implantação física das intervenções, abrangendo capacitação comunitária, governança local e manutenção das estruturas, elementos fundamentais para assegurar impacto duradouro. Assim, as políticas públicas funcionam como um elo entre conhecimento técnico e necessidades reais das comunidades, demonstrando que a resiliência urbana depende tanto de planejamento estratégico quanto de participação social.

Ainda assim, a implementação de Soluções Baseadas na Natureza em áreas periféricas enfrenta desafios técnicos relevantes, como infraestrutura precária, ocupações densas e características específicas do solo. Nesse sentido, universidades e centros de pesquisa assumem papel decisivo: são responsáveis por formar especialistas, desenvolver métodos e produzir evidências capazes de orientar projetos adaptados às realidades locais. Investir na educação e no fortalecimento dessas instituições amplia a capacidade de desenvolver estudos, técnicas e modelos realmente alinhados às necessidades dos territórios.

Transformar vulnerabilidades urbanas exige compreender que a dimensão social é inseparável da ambiental. Apostar em soluções baseadas na natureza nas periferias é reconhecer que desigualdades históricas podem, e devem, ser enfrentadas por meio de ciência, tecnologia, participação comunitária, planejamento estratégico, governança local e financiamento consistente. Quando bem conduzidas, essas iniciativas reduzem alagamentos, ampliam áreas verdes, geram empregos verdes e fortalecem a autonomia dos moradores. Ignorar esse potencial apenas perpetua desigualdades; por outro lado, investir nessas potencialidades de forma crítica e participativa tornam-a instrumentos de equidade capazes de transformar territórios vulneráveis em espaços resilientes, inovadores e inclusivos, e garantir que todos façam parte de um futuro urbano mais justo.


*Mariana Pontes é diretora-presidente da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES). Além disso, Mariana é Arquiteta e Urbanista com foco em gestão de projetos de desenvolvimento sustentável. Com um MBA em Gestão de Projetos e Mestrado em Desenvolvimento Urbano, ela alia seu conhecimento teórico à prática, obtendo a certificação PMP. Com experiência no ensino de Arquitetura e Urbanismo, Mariana lidera hoje um time multidisciplinar no desenvolvimento de projetos urbanos, focando em inovação, inclusão e diversidade. Seu compromisso vai além da gestão, priorizando a integração de todas as vozes no planejamento das cidades do futuro.

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