Rio de Janeiro, Brasil, 1/6/2011 – Organizações de camponeses e defensoras dos direitos humanos disseram estar decepcionadas com a decisão do governo brasileiro de criar um grupo interministerial para enfrentar a violência na Amazônia, após o assassinato de quatro ativistas ambientais em menos de uma semana.
O governo de Dilma Rousseff convocou dirigentes camponeses e autoridades regionais para conversar sobre a instalação do anunciado gabinete especial e analisar as medidas de proteção tomadas em relação a 125 pessoas ameaçadas de morte. Além disso, as autoridades se comprometeram a fortalecer a repressão contra o desmatamento ilegal e destinar para esse fim recursos financeiros extraordinários.
A onda de violência começou no dia 24 de maio, com a morte de um casal de dirigentes do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira, no Município de Nova Ipixuna, no Pará. José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, que denunciavam a extração ilegal de madeiras na região, forma mortos a tiros em uma emboscada. Três dias depois foi assassinado o dirigente ambiental Adelino Ramos, em Vista Alegre de Abunã, em Rondônia, e no dia 29, na região do Pará foi abatido outro ativista, Erenildo Silveira dos Santos, que a polícia presume ter sido testemunha da morte do casal.
Para João Pedro Stédile, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o anúncio do governo é “apenas uma resposta para a sociedade para dizer que tomou alguma iniciativa, mas que não resolve nada”. Resolver verdadeiramente o problema exige “romper o poder econômico latifundiário e fazer com que o poder judicial julgue e coloque na prisão” os casos sem solução, afirmou.
É que foram realizados apenas 91 julgamentos em um total de 1.580 pessoas assassinadas nos últimos 25 anos no campo, e foram condenados somente 21 autores intelectuais de crimes e 73 executores, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), vinculada à Igreja Católica. Isolete Wichieniski, da direção da CPT, afirmou à IPS que a única pessoa presa como responsável por ordenar crimes foi Vitalmiro Bastos de Moura, pela morte, em 2005, da freira norte-americana Dorothy Stang, que também mediava conflitos agrários e ambientais na região amazônica.
A situação de violência rural se agrava com o avanço do grande negócio agroindustrial, das empresas madeireiras e de mineração, disse Isolete. No Pará, por exemplo, houve um grande avanço “das madeireiras que pressionam comunidades que querem manter suas áreas de proteção ambiental”, acrescentou. Também cresce o cultivo de soja para exportação e de outros grãos para produzir biodiesel.
Isolete chama a atenção para o que considera principalmente a grande causa da violência, que é a impunidade. Por isso, embora a decisão oficial de criar um gabinete interministerial implique “uma boa intenção”, pediu medidas “estruturais e não paliativas”. Em 2005, depois de medidas de emergência semelhantes, diminuíram os conflitos rurais, mas depois voltaram a crescer devido à inoperância da justiça, acrescentou.
O Pará continua sendo um dos Estados mais violentos, com 212 pessoas assassinadas por causa de conflitos de posse da terra desde 1996, quando aconteceu o massacre de 19 camponeses do MST em Eldorado do Carajás. A CPT ressalta que desde aquele ano, no Pará, outras 809 pessoas foram ameaçadas de morte, como o casal assassinado. A família de José Cláudio Ribeiro da Silva e de Maria do Espírito Santo da Silva recordou que as ameaças por parte dos cortadores de árvores chegaram a ser registradas na polícia.
Stédile vinculou os assassinatos à recente votação no Congresso de uma reforma do Código Florestal, vigente desde 1965, considerada um sinal verde para o desmatamento na Amazônia. A iniciativa, apresentada pelo deputado comunista Aldo Rebelo, prevê, entre outros pontos, anistia de multas para os responsáveis pelo desmatamento ilegal, até 2008, de áreas de até 400 hectares. “Creio que alguns madeireiros e produtores de carvão da região interpretaram a conjuntura como favorável para eles, e assim cometeram essa barbárie”, disse o dirigente do MST.
A mudança normativa, que ainda tem de ser aprovada pelo Senado, enfrenta também a oposição do governo de Dilma Rousseff. O desmatamento amazônico chegou a 700 mil hectares entre 2009 e 2010, a menor taxa desde que começou a ser medido, em 1988. Mas um relatório oficial preliminar revelou, no dia 19 de maio, que entre agosto de 2010 e abril de 2011 o desmatamento aumentou 27%, em relação a igual período do ano anterior, concentrado sobretudo no Estado do Mato Grosso, um fenômeno que o governo atribui à expectativa de aprovação da anistia.
Stédile atribui a violência à falta de uma política de reforma agrária “que de fato enfrente o latifúndio e distribua as grandes propriedades, rompendo seu poder econômico e político”. Segundo o dirigente, “como os latifundiários percebem que a reforma agrária está paralisada e, mesmo assim, continuam as ocupações de terras e conflitos devido ao elevado nível de pobreza e de falta de terra, apelam para sua própria força: as armas”. Stédile disse que os responsáveis pelos crimes são os grandes proprietários de terra, muitas vezes aliados a deputados e governadores. Envolverde/IPS