Caracas, Venezuela, 3/1/2012 – Países que sempre dependeram de hidrocarbonos importados (Chile, Paraguai, Polônia e Ucrânia), mas, sobretudo, grandes consumidores (Estados Unidos ou China) poderão se abastecer de gás natural em um futuro nada distante e, além disso, exportar.
O gás recuperável nas rochas de xisto, ou shale gas, talvez supere várias vezes em quantidade o das reservas provadas de gás convencional no planeta, segundo a Administração de Informação de Energia (EIA) dos Estados Unidos, e existem adicionalmente grandes volumes deste hidrocarbono em areias e outras categorias de gás não convencional.
Entretanto, a grande novidade dos estudos da EIA é que o gás de xisto é abundante em territórios antes considerados pobres em hidrocarbonos ou dependentes de importações: China, Estados Unidos e Argentina encabeçam a lista, mas outras grandes reservas estão na África do Sul, Austrália, Polônia, França, Suécia, Índia, Chile, Paraguai ou Paquistão.
“O tabuleiro energético muda e os mercados se realinharão. Países que nunca tiveram esta disponibilidade de energia já não serão apenas consumidores, avançarão na suficiência energética e poderão ser exportadores”, disse à IPS o presidente da Associação Venezuelana de Processadores de Gás, Luis Albero Terrero.
Com a maior oferta de gás, “é possível baratear os preços dos combustíveis fósseis, frear o crescimento das energias alternativas e desenvolver novas alianças, novos investimentos e redes comerciais”, disse Terrero.
As reservas provadas de gás convencional no planeta somam 6,608 trilhões de pés cúbicos (TCF – trillion cubic feet), cerca de 187 trilhões de metros cúbicos segundo estatísticas do grupo britânico BP, e os maiores depósitos estão na Rússia (1,580 TCF), Irã (1,045), Catar (894) e Arábia Saudita e Turcomenistão (283 cada).
Um estudo da EIA, publicado em abril de 2011, encontrou praticamente o mesmo volume (6,620 TCF, ou 187,4 trilhões de metros cúbicos) de shale gas recuperável em apenas 32 países, e os gigantes são outros: China (1,275 TCF), Estados Unidos (862), Argentina (774), México (681), África do Sul (485) e Austrália (396).
Além disso, países secularmente dependentes de fornecedores estrangeiros contariam com uma ingente base de recursos em relação ao seu consumo, como França e Polônia, que importam 98% e 64%, respectivamente, do gás que consomem, e que teriam em rochas de xisto reservas superiores a 180 TCF cada um.
Na América do Sul, o tradicional gigante do petróleo, a Venezuela, teria apenas 11 TCF desse gás, a vigésima parte de suas reservas de gás convencional, enquanto Brasil e Chile, que atualmente importam cerca da metade do gás que consomem, contam com depósitos de 226 e 64 TCF, respectivamente.
O Paraguai teria 62 TCF, quase três vezes o gás convencional da Bolívia, que é principal exportadora da região, e o Uruguai, que importa 100%, pois carece de hidrocarbonos, tem reservas de gás de xisto de pelo menos 21 TCF.
Trata-se da “maior inovação em energia neste século, em termos de impacto e escala”, segundo o analista norte-americano Daniel Yergin, autor do clássico História do Petróleo, ao destacar que um terço de todo gás que se produz em seu país provém de xisto.
A busca por gás não convencional deve estar acompanhada de tecnologias que reduzam o gasto de recursos – a exploração de uma plataforma com seis poços pode consumir 170 mil metros cúbicos de água – e também os efeitos daninhos, como influir em movimentos sísmicos, contaminar águas subterrâneas e superficiais e afetar a paisagem.
Terrero recordou, como exemplo, que a exploração do petróleo extrapesado da Faixa do Orenoco e as jazidas sob o Mar do Norte eram consideradas tecnologicamente inviáveis há décadas, e hoje são áreas em plena produção. As perfurações no Ártico serão abundantes a partir deste ano.
Além disso, os altos preços do petróleo, com os de referência a mais de US$ 100 o barril de 159 litros, animam as operadores a buscar, produzir e comercializar, junto como o shale, o chamado tight gas, próprio de areias mais finas, e o petróleo também guardado no xisto ou nas areias, conhecido como shale oil e tight oil.
“Caminhamos para uma disponibilidade maior de combustíveis fósseis. Petróleo, gás e carvão representam 80% da matriz energética global e continuarão dominando a cena por décadas”, disse à IPS o catedrático em geopolítica e energia na Universidade Central da Venezuela, Kenneth Ramírez.
Em 2010, o mundo consumiu 12 bilhões de toneladas de petróleo equivalente, das quais 4,028 bilhões foram petróleo (3,571 em 2000), 3,556 bilhões de carvão (2,4), 2,858 bilhões de gás (2,17), 776 milhões de eletricidade (600), 626 milhões de energia nuclear (584) e apenas 159 milhões de energias renováveis (51 em 2000), segundo a BP.
Para Ramírez, “a presença abundante e a nova distribuição de jazidas de shale gas e outros hidrocarbonos não convencionais afetarão as previsões sobre a relação entre energia e economia, e tem efeitos geopolíticos importantes”.
Um primeiro efeito é que as maiores e melhores descobertas acontecem fora da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep), que, dessa forma, vê diminuir sua influência sobre o mercado mundial de energia no longo prazo, explicou o especialista.
Ramírez também destacou que a Rússia deve empreender uma corrida para garantir-se como ator global com base em seus recursos energéticos; um país como o Canadá emerge como potência; os Estados Unidos, com abastecimento seguro, poderão sentir-se menos preso ao vai e vem do Oriente Médio. O mesmo pode-se dizer das nações emergentes do Sul, como Brasil, China, Índia e África do Sul, que disporiam de abundante gás não convencional.
Na América Latina, a produção de Bolívia ou Trinidad e Tobago, ou os projetos costa afora da Venezuela, já não parecem tão imprescindíveis no longo prazo, enquanto o México, em seu Estado de Coahuila, e a Argentina, na província de Neuquén, perfuram para suas primeiras produções de gás e petróleo de xisto.
A grande limitação do shale gas, apesar das expectativas da indústria no desenvolvimento de tecnologias menos prejudiciais ao meio ambiente, é o impacto sobre o entorno, tanto de sua produção quanto de seu manejo.
Para extraí-lo das rochas de xisto usa-se o método fracking (fratura hidráulica), com injeções de grandes quantidades de água misturada com areia e aditivos químicos. A pegada de carbono (a proporção de dióxido de carbono liberada na atmosfera) é muito maior do que a gerada pela produção de gás convencional.
Como se trata de bombardear camadas da crosta terrestre com água e outras substâncias, aumenta o risco de prejudicar subsolos, solos, lençóis hídricos subterrâneos e superficiais, a paisagem e as vias de comunicação se as instalações para extrair e transportar a nova riqueza apresentarem defeitos ou erros de manejo.
A liberação de mais gás metano também influi no aquecimento do planeta. Contudo, até agora, as advertências ambientais não parecem deter a sede global por recursos energéticos como os que contêm as diminutas rochas de xisto. Envolverde/IPS