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Logística impulsiona industrialização tardia do Nordeste

Dutos para transporte de grãos no Porto de Suape. Ao fundo, o maior moinho de farinha de trigo do Brasil, da empresa Bunge. Fonte: Mario Osava/IPS

Recife, Brasil, 26/9/2011 – A velha indústria baseada no aço e no petróleo ainda encontra fronteiras onde se expandir. No Nordeste do Brasil a chave não é, como na China, a mão de obra barata, tampouco as matérias-primas abundantes, mas sim as vantagens logísticas. Dois portos com capacidade para navios de maior porte, localizados de maneira atraente entre o Atlântico Sul e o Norte, estão transformando a economia da região mais pobre do Brasil. Foram projetados como parte de complexos industriais cujos setores-âncora são grandes refinarias de petróleo, estaleiros e uma siderurgia.

Cerca de 23 mil trabalhadores estão construindo a refinaria Abreu e Lima na “retroárea” do Porto de Suape, em Pernambuco, onde também está sendo instalada uma planta petroquímica e um estaleiro já arma navios e plataformas petrolíferas empregando 7.400 operários, podendo chegar a 12 mil nos próximos anos. Além de sua localização estratégica, “para o Brasil e para o mundo”, Suape é “um porto abrigado, de águas calmas e profundas, que opera o ano todo, independente de clima e marés”, disse à IPS Roberto de Abreu e Lima, responsável de Gestão na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco.

Seu sobrenome coincide com o nome da refinaria porque descende da família do homenageado, José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869), um brasileiro que lutou ao lado do líder independentista venezuelano Simón Bolívar. Suape, um porto público de operação privada, “é a locomotiva” do crescimento acelerado que vive Pernambuco, há anos superior à média nacional, destacou o secretário-executivo de Desenvolvimento. “Sem o porto não haveria uma refinaria”, que processará 230 mil barris por dia de petróleo, afirmou. Dez das 14 refinarias brasileiras se concentram no centro-sul do país, a parte rica e industrializada em cujos mares também estão os maiores recursos petrolíferos nacionais.

Agora chegou a vez do Nordeste, que terá outras duas grandes unidades, além de Suape. A maior, Premium I, está sendo construída no Maranhão, para processar 600 mil barris diários de petróleo a partir de 2019, embora comece a operar três anos antes com metade dessa capacidade, segundo sua proprietária, a Petrobras. Em Pecém, no Ceará, outro complexo portuário-industrial semelhante a Suape, a Petrobras prepara o terreno para a Premium II, com data de inauguração prevista para 2017 e capacidade para refinar 300 mil barris por dia.

Dessa forma, o Nordeste vive seu caminho petrolífero, mais focado na indústria de transformação do que na extração de suas limitadas jazidas. A petroquímica Suape produzirá matérias-primas para a indústria têxtil e assim ajudará a fortalecer a confecção de roupas, que já possui polos dinâmicos no Nordeste. Ao Estaleiro Atlântico Sul, uma associação de empresas brasileiras com a coreana Samsung e já em atividade, se somarão outras oito empresas do setor no Porto, anunciou Silvio Leimig, diretor do Suape Global, um fórum multissetorial que busca desenvolver um polo fornecedor de bens e serviços para a indústria mundial naval e do petróleo.

Isto gera demanda pela criação de uma indústria metal-mecânica, setor que ganhará novo impulso com a fábrica que a italiana Fiat construirá em Goiânia, a cem quilômetros de Suape, para produzir 250 mil veículos por ano e que deverá estar pronta em 2014. O explosivo consumo de aço abre caminho para a grande siderurgia, que corrigirá sua ausência no Nordeste com uma unidade que a Vale, maior produtora mundial de minério de ferro, constrói com sócios coreanos em Pecém, com capacidade para três milhões de toneladas de chapas de aço.

Esta industrialização segue “o mesmo modelo” do Sudeste há cinco décadas, com muito capital estrangeiro, petróleo e aço, reconheceu Tania Bacelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco e respeitada especialista em economia regional. Porém, muda a história de fracassos do Nordeste. A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), criada em 1959, apesar de seus muitos incentivos, pouco avançou. Suape, concebido como porto industrializador, cuja obra começou na década de 1970, só agora se torna realidade.

Isto ocorre agora devido ao “dinamismo do mercado consumidor” doméstico e por “decisões de fora”, disse Bacelar. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva impulsionou o processo ao optar por novas refinarias no Nordeste e incentivar a produção nacional de navios e equipamentos para o setor petrolífero, acrescentou. O consumo nordestino cresceu com a redução da pobreza nas duas últimas décadas, resultado da previdência social rural estabelecida pela Constituição de 1988, da estabilização da moeda nacional a partir de 1994 e da expansão do crédito, possível também pela formalização de milhões de empregos e programas sociais, afirmou a professora.

No interior desta região há polos de desenvolvimento, como as feiras de vestimenta que atraem “compradores de todo o Brasil e inclusive de Angola”, e que competem com produtos similares chineses, mais baratos, por terem maior qualidade e seguirem “a moda divulgada pelas telenovelas” brasileiras, contou Bacelar. A logística também é “um fator decisivo”, acrescentou a professora: o Nordeste já possui quatro portos de importância internacional.

Agora, o desafio é “desconcentrar” uma indústria que congestiona Suape e a região metropolitana de Recife, capital pernambucana, e “levar o desenvolvimento para o interior”, segundo Felipe Chaves, gerente de segmentos econômicos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado. Para isso está sendo construída a ferrovia Transnordestina, de 1.728 quilômetros que unirá Suape, Pecém e áreas produtoras de soja e minério de ferro no Estado do Piauí. Sua inauguração está prevista para 2013.

O oeste de Pernambuco também se beneficiará com a ferrovia, que barateará o transporte de sua grande produção de gesso, impulsionando tanto a construção quanto a agricultura. A cana-de-açúcar no litoral do Nordeste, um cultivo importante mas que perdeu competitividade em relação ao centro-sul do país, poderá ganhar em produtividade aplicando gesso agrícola para corrigir o solo, como se faz em outras partes. Até agora o Nordeste não o usa porque o custo do frete para trajetos acima de 600 quilômetros não compensa os ganhos, explicou Fernando Freire, agrônomo que preside a Fundação Joaquim Nabuco, órgão do Ministério da Educação.

Além da infraestrutura logística, é preciso levar ao interior o “capital humano”, e para isso foram instaladas 60 escolas técnicas estaduais, enquanto as universidades criam campus no interior, disse Chaves. “A escassez de mão de obra capacitada é o maior obstáculo para o desenvolvimento de Pernambuco”, admitiu Abreu e Lima. Há, claro, impactos indesejáveis do rápido progresso: a deterioração das estradas e da circulação, sobretudo ao redor de Suape, uma alta brutal dos preços da moradia, contaminação, a violência e a questão das drogas se agravam, há prostituição e gravidez precoce. Os governantes locais dizem que estão em marcha ações de mitigação desses danos.

A febre nordestina

Salgueiro tem hoje uma “população flutuante” de seis mil a sete mil pessoas, que vivem nos alojamentos das empresas construtoras, lotam os hotéis ou alugam casas a preço de ouro, segundo Ana Neide de Barros, secretária municipal de Planejamento. O censo oficial de 2010 encontrou 56.629 habitantes neste município onde fica o centro operacional da construção da Transnordestina e do canal que levará água do Rio São Francisco para o norte do Nordeste, duas obras gigantescas.

Com localização privilegiada, no cruzamento das estradas BR-116 e BR-232, que vão do norte ao sul e de leste a oeste desta região, Salgueiro tem 80% de população urbana, em contraste com seus vizinhos mais rurais. Equidistante de oito das nove capitais estaduais do Nordeste, a uma distância média de 580 quilômetros, sua vocação de “centro distribuidor” se acentuará com a Transnordestina, que em Salgueiro terá sua única estação já confirmada, destacou Barros.

Por isso, a secretaria de Planejamento não teme o fim das obras, cuja oferta de empregos “trouxe muita gente de fora”. Essa oferta permite que afirme que aqui “só não trabalha quem não quer”. Como “plataforma intermodal” do interior nordestino, haverá muito trabalho em Salgueiro, o comércio se ampliará, haverá mais hotéis, restaurantes e indústrias, com uma fábrica de computadores, todos atraídos pelas facilidades logísticas, afirmou Barros. Os comerciantes locais sempre encararam os ocasionais focos de prosperidade como “algo passageiro”, mas agora começam a crer que é “um caminho sem volta, de crescimento sustentado”, acrescentou. Envolverde/IPS