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Megaconstruções reacendem a luta de classes

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A obra da represa hidrelétrica de Jirau.
Porto Velho, Brasil, 18/5/2011 – A fúria foi proporcional à multidão presa entre a selva e a muralha que represará o Rio Madeira, no Noroeste do Brasil. Em três dias, os operários incendiaram cerca de 50 ônibus, outros veículos, instalações de trabalho e até seus alojamentos, com capacidade para 16 mil pessoas. A rebelião, que ainda não está aplacada, começou dia 15 de março e paralisou as obras de Jirau, uma das maiores hidrelétricas em construção no Estado de Rondônia.

O posterior acordo por melhores condições de trabalho, assinado entre líderes sindicais e o consórcio construtor por si só ainda não conseguiu restabelecer a normalidade. É que, devido à maioria dos trabalhadores ser oriunda de áreas muito distantes, só poderão reiniciar suas tarefas após a reconstrução dos locais onde vivem. Além disso, houve o anúncio de milhares de demissões.

Mas os incêndios em Jirau desataram uma sucessão de greves em outros grandes projetos, como usinas energéticas, portos, uma refinaria de petróleo e um complexo petroquímico, que empregam dezenas de milhares de empregados da construção em diferentes e distantes lugares, principalmente no Norte e Nordeste, as regiões mais pobres do país. À greve aderiram em março cerca de 160 mil trabalhadores, segundo dados do estudo setorial do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgado no dia 12.

A “explosão” de Jirau tem sua base no fato de milhares de trabalhadores permanecerem “confinados em más condições nesse lugar e serem tratados de forma autoritária”, segundo José Dari Krein, diretor do Centro de Estudos Sindicas e de Economia do Trabalho, da Universidade Estadual de Campinas. A obra empregava 22 mil pessoas antes do conflito. As mesmas razões são as que levaram à revolta, nove meses antes, em Santo Antonio, outro complexo hidrelétrico em construção no Rio Madeira, este a 120 quilômetros de Jirau, que deixou como saldo 35 ônibus destruídos e paralisou os trabalhos por vários dias. O estopim foi a agressão a um operário, como em Jirau.

Estas revoltas se assemelham à greve dos cortadores de cana-de-açúcar, que em maio de 1984 convulsionaram Guariba, a 350 quilômetros de São Paulo, onde saquearam prédios públicos e um supermercado, incendiaram automóveis e canaviais e houve forte repressão policial. Os cortadores, também imigrantes de outras partes do Brasil em sua maioria, reagiram diante das condições degradantes de trabalho. O levante surpreendeu até mesmo dirigentes sindicais e ativistas católicos que apoiavam os boias-frias e assustou governantes e empresários.

“A greve foi terrível, mas também foi uma lição, mudou a vida de todos os trabalhadores”, recorda Wilson Rodrigues da Silva, que viveu a revolta quanto tinha 18 anos de idade, e quatro como cortador de cana. Falta muito para melhorar, mas nesse período foram conquistados direitos e um processo de negociação com as empresas, avaliou Wilson, atual presidente do Sindicato de Empregados Rurais de Guariba.

Precisamente, a criação desse sindicato e outros 70 no Estado de São Paulo, que representam cerca de 300 mil trabalhadores, foi um dos principais resultados da Batalha de Guariba, que se estendeu a outros municípios vizinhos. O governo federal incentivou, em 1975, a substituição da gasolina pelo etanol, forçando uma acelerada expansão da produção de cana, como resposta à alta dos preços internacionais do petróleo na época.

Isso multiplicou a emigração de cortadores para municípios produtores de cana como Guariba, trazendo consigo maior exploração e abusos, como obrigar os empregados a se alojarem em locais insalubres e a proliferação de enganos para reduzir a remuneração por tonelada de cana colhida acertada com os trabalhadores, recordou Wilson. A pressão por produtividade tornou explosiva a situação trabalhista justamente no setor recém-valorizado como estratégico para reduzir a dependência energética e equilibrar a balança de pagamentos do país.

Algo semelhante ocorre agora com os grandes projetos de infraestrutura e habitação, priorizados com altos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo de Dilma Rousseff. Em consequência, o setor da construção cresceu 11,6% em seu produto e 1% em empregos formais no ano passado.

Na construção civil, como antes no setor canavieiro, são precárias as relações trabalhistas, agravadas por uma fraca organização sindical, favorecendo “mobilizações com um grau de agressão maior do que em outras categorias melhor estruturadas”, disse Krein. Os trabalhadores sem carteira assinada e que trabalham por conta própria totalizavam mais de 4,3 milhões em 2009, enquanto os empregados com todos os benefícios legais não chegavam a dois milhões, segundo dados analisados pelo Dieese para realçara a informalidade do setor. A rotação também é brutal. No ano passado, foram contratados 2,4 milhões de trabalhadores enquanto as demissões chegaram a 2,2 milhões.

Tudo se agrava por um “preconceito tradicional” que considera a construção civil “um trabalho menor”, apenas aceitável como “última alternativa”. O mesmo ocorre com o emprego rural e o doméstico, especialmente entre jovens e gestores, destacou Lilian Marques, assessora técnica do Dieese. O trabalho temporário, limitado ao período de colheita ou de cada tarefa na obra, dificulta a ação sindical e sua organização, bem como o súbito aumento da base operária, acrescentou.

Em Rondônia, por exemplo, o Ministério do Trabalho registrou aumento de 54,4% de empregados formais na construção civil em um único ano, chegando ao total de 42.751 em 2010, graças basicamente aos projetos hidrelétricos. Aumento semelhante foi registrado anteriormente, já que as obras começaram em 2008. Não por acaso o Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia viveu uma crise em 2009, quando a Justiça do Trabalho destituiu sua direção e nomeou interventores para realizar eleições das quais saiu a atual direção.

Muitos atribuem a divisão sindical à rebelião de março em Jirau, que para alguns dirigentes foi uma ação premeditada por um grupo de vândalos. Agiram “encapuzados” e roubaram caixas eletrônicos e bens pessoais, disseram operários ouvidos pela IPS. “Não foi vandalismo de poucos, mas um protesto radical de trabalhadores punidos injustamente”, contrapôs Altair Donizete de Oliveira, vice-presidente do Sindicato.

A construtora Camargo Correa, responsável pelas obras de Jirau, “é a melhor em que já trabalhei”, mas em Jirau colocou operários em excesso para “uma pequena equipe administrativa”, afirmou. A essa “falha” Altair acrescentou uma dezena de medidas de pressão com as quais a empresa provocou uma forte tensão entre os operários. Entre elas, a que causou maior indignação geral foi a redução de horas extras, destacou o sindicalista.

O operário da construção civil “é diferente”, quer trabalhar o máximo durante seu contrato para voltar com dinheiro para casa, explicou Altair. Sem as horas extras se ganha menos, e com tempo livre se gasta mais, o que vai contra o principal objetivo dos operários que estão longe de seus lares. Apesar de tudo, a forte expansão do emprego que faz escassear a mão de obra e inibe a outrora emigração para as fontes de trabalho, “fortaleceu o poder de negociação” dos operários da construção, constatou Dario Carneiro, assessor da Confederação Nacional dos Sindicatos do setor.

“Nada mais justo reclamarem contrapartidas sociais, salariais e condições decentes de trabalho para superar aspectos arcaicos” do setor, que se refletem em baixa renda e maior índice de mortes por acidentes entre todos os setores trabalhistas no Brasil. Isto se deve ao descumprimento das normas mínimas de segurança, acrescentou Dario. A revolta em Jirau, por sua repercussão, e grandes concentrações operárias em torno de projetos do PAC, representa uma boa oportunidade para se negociar um contrato nacional e condições adequadas de trabalho na construção civil, concluiu Krein. Envolverde/IPS