Buenos Aires, Argentina, 15/4/2013 – Os bairros fechados no Delta do Paraná, que cresceram descontroladamente nos últimos anos com o lema de oferecer melhor qualidade de vida, estão obstruindo o ecossistema e o escoamento de águas que amortizam as inundações em uma vasta zona próxima à capital argentina. O problema ganhou maior relevância depois das trágicas inundações ocorridas no começo deste mês na cidade de Buenos Aires e, sobretudo, em La Plata, capital da vizinha província de mesmo nome, onde chuvas torrenciais provocaram a morte de quase 60 pessoas.
O boom imobiliário, a falta de infraestrutura de escoamento para conter precipitações, cada vez mais frequentes e intensas, e a ausência de planos de contingência diante do desastre estão no centro do debate na Argentina. O Delta do Paraná é um imenso mangue de 17.500 quilômetros quadrados no trecho final do rio de mesmo nome, que após percorrer quase cinco mil quilômetros desemboca no Rio da Prata através de múltiplos braços.
A construção tradicional nas ilhas deste delta são casas altas sobre palafitas com molhes de madeira, rodeadas por juncos, que convivem harmoniosamente em um ecossistema preparado para receber periodicamente grandes excedentes de água. Trata-se de um sistema de alta biodiversidade que também oferece múltiplos serviços. Entre os mais destacados está o fornecimento de água e a capacidade de regular as cheias, que se tornam mais frequentes e intensas devido à mudança climática provocada pelo aquecimento do planeta.
Nos últimos tempos, em suas planícies de inundação foram construídas 229 urbanizações de diversos tamanhos, a maioria com casas luxuosas, campos de golfe e tênis, locais de compras, escolas e centros de equitação. Urbanistas explicaram que cerca de 90% destes projetos se estenderam sobre planícies continentais, que deveriam absorver os transbordamentos de rios e riachos, e 10% em ilhas que foram preenchidas artificialmente para sustentar os complexos habitacionais.
O diretor da Fundação Humedales (mangues), Daniel Blanco, disse à IPS que “o avanço foi muito agressivo”. Agora a região está em risco de perder sua capacidade natural de absorver água, justamente quando as tempestades são mais intensas. Especialistas dessa organização não governamental afirmam, que, sob o falso argumento de que são terras improdutivas, os projetos imobiliários avançaram com preenchimento, drenagem e desvio de cursos de água, afetando as funções naturais do mangue.
“Busca-se converter o lugar em um sistema terrestre”, criticam os autores de Bens e Serviços Ecossistêmicos dos Mangues do Delta do Paraná, uma pesquisa que alerta para o risco de inundação em áreas vizinhas. O trabalho, realizado por Patricia Kandus, Natalia Morandeira e Facundo Schivo, da Fundação para a Conservação e o Uso Sustentável dos Mangues, diz que este tipo de sistema não impede as inundações, mas torna as cheias mais lentas, retém o excedente da correnteza, o filtra e libera aos poucos, graças à sua cobertura vegetal que funciona como uma esponja.
As advertências de ambientalistas e moradores sobre estes temas, somadas ao impacto muito severo que estão tendo as chuvas na cidade de Buenos Aires e em sua área metropolitana, conseguiram deter projetos de investimento e avançar na regulamentação de novas construções em ilhas. Um dos projetos paralisados foi Colony Park, que prometia uma “ilha privada de segurança e tranquilidade” em 300 hectares do Delta do Tigre, o trecho final destes mangues, no nordeste da província de Buenos Aires. A ideia era construir mil casas “de luxo”, segundo a promoção.
Devido à polêmica gerada pelo projeto e pela demanda judicial por parte de moradores, o município de Tigre, com assistência técnica de organizações ambientalistas, elaborou em 2012 uma normativa mais rígida para autorizar a construção nas ilhas localizadas nesse distrito. Reconhecendo a fragilidade do mangue, a nova regulamentação exige que se construa sobre palafitas, proíbe a alteração da cota natural, que se costumava elevar mediante acúmulo de sedimentos, e o preenchimento artificial das ilhas.
Normalmente as ilhas do delta têm um relevo de bacia, com uma depressão no centro que contribui para reter a água excedente. Mas estes buracos eram tapados para elevar o terreno e repelir a inundação. Também na zona de Campana, outro município da província de Buenos Aires, a Associação de Moradores do Mangue conseguiu o adiamento de uma urbanização junto ao Rio Luján, tributário do mesmo Delta, que prometia casas para 40 mil pessoas.
Alejandro Fernández, membro da associação, disse à IPS que os moradores locais se reuniram para resistir ao avanço desse projeto em uma área onde os bairros fechados já cresceram muito e provocam inundação de áreas vizinhas. No final de outubro, um forte temporal aumentou em quase cinco metros o nível do Rio Paraná e causou uma inundação severa não apenas nas áreas ribeirinhas, como também na área urbana de Luján. A água chegou até a basílica, atração turística internacional.
“Em todo o trecho do Rio Luján foram permitidos estes negócios sobre planícies de inundação que alteram o transbordamento natural do curso. Se forem tapadas com concreto em uma área onde praticamente não há por onde a água escorrer, o assunto fica muito sério”, alertou. “Depois, quando inunda, os dirigentes políticos levam as mãos à cabeça, mas são eles que assinam as autorizações para estes projetos imobiliários sem fazer um verdadeiro planejamento urbano”, alertou Fernández. Envolverde/IPS