Rio de Janeiro, Brasil, 8/11/2011 – Ambientalistas criticam a escassa definição do documento apresentado pelo Brasil como contexto de discussão para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá nesta cidade em junho de 2012. As propostas apresentadas no dia 1º deste mês à Organização das Nações Unidas (ONU) para o encontro, que acontecerá duas décadas depois da Cúpula da Terra, demonstra, segundo o governo brasileiro, seu “compromisso” com o desenvolvimento sustentável que “tem na erradicação da pobreza um elemento indispensável”.
“A erradicação da pobreza extrema é condição necessária para a realização dos objetivos assumidos rumo ao desenvolvimento sustentável”, afirma o documento. O texto inclui, entre outros eixos, a necessidade de fortalecer o multilateralismo como “única opção para o tratamento dos grandes problemas globais”, e o papel do Estado como indutor e regulador de desenvolvimento.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que é necessário “avançar nos próximos 20 anos com desenvolvimento sustentável inclusivo” e que “a economia verde inclusiva é o caminho”. Porém, a proposta (segundo o Itamaraty, uma contribuição inicial para elaborar a primeira minuta do texto final que será negociado por todos os países-membros da ONU) não satisfez as expectativas de organizações ecologistas brasileiras.
O documento “está muito longe de um caminho que “mostre a transição para uma nova economia”, disse à IPS o coordenador adjunto do Vitae Civilis, Rubens Harry Born, que participou da consulta do governo para elaborar a proposta, como parte do Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais de Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Para Born, o processo de consulta foi “interessante”, mas também “insuficiente”. Foram apenas 20 dias para debater todos os temas, com uma “visão muito limitada de consulta”, afirmou. Por exemplo, as ONGs não tiveram a oportunidade de debater a proposta com o Ministério da Fazenda, que, por outro lado, debateu com sindicatos e empresários, acrescentou, ressaltando que “isso limitou o alcance das contribuições da sociedade”.
Born considerou “insuficiente” o conteúdo que, entre outras propostas gerais, menciona um programa global de proteção socioambiental que tenha por objetivo a garantia de renda para superar a pobreza extrema e garantir a qualidade ambiental, a segurança alimentar, a moradia adequada e o acesso a água limpa para todos. “O que falta o governo responder à sociedade é quanto, quando, com quais recursos, metas e instrumentos isso será feito. Queremos coisas mais tangíveis, metas, e isso não fica claro no documento”, acrescentou.
Segundo ambientalistas, temas mais novos, como a segurança nuclear após o acidente atômico no Japão este ano, ou os movimentos migratórios provocados pelas mudanças climáticas, não foram considerados. O governo propõe adotar metas de sustentabilidade, ao estilo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Sobre a base de um programa de economia verde inclusiva, “as negociações complexas para estabelecer metas rígidas e obrigatórias poderiam ser substituídas por objetivos reitores em áreas nas quais há ampla convergência de pontos de vista. De modo semelhante às metas do milênio, este enfoque pode guiar os países para o desenvolvimento sustentável”, afirma a proposta.
É sugerido um Pacto Global para a Produção e o Consumo Sustentável, que incluiria, entre outros elementos, as compras públicas mediante as quais os governos usem sua capacidade para modificar padrões de produção e consumo.
Uma iniciativa multissetorial para estabelecer padrões de consumo eficiente de energia, financiamento prioritário para o estudo e a pesquisa em desenvolvimento sustentável e um arquivo de iniciativas são outros elementos do sugerido Pacto Global. O Brasil também propõe que o uso da água seja tratado de forma mais integrada no âmbito da ONU.
Enquanto o governo fala de energia limpa, não discute, por exemplo a questão dos subsídios aos combustíveis fósseis, nem de quando apoiará as “fontes renováveis”, questionou Born. Ao mesmo tempo, acrescentou, “investirá milhares de milhões para explorar o pré-sal, que são as jazidas de petróleo sob camadas de sal em águas profundas do Oceano Atlântico.
Tampouco são estabelecidas metas claras sobre saneamento, crucial para regiões com África e América Latina. Cerca de seis mil pessoas morrem por dia no mundo de doenças como diarreia, destacou Born. Trata-se de “propostas extremamente genéricas e abstratas”, disse Fábio Feldmann, ex-deputado e ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo. “Temo que, se a intenção é convidar chefes de Estado do mundo inteiro para virem aqui apoiar propostas genéricas, a reunião não seja tão efetiva”, disse à IPS.
“Estou muito preocupado porque não sinto que existam propostas efetivas em termos de medição, de aporte de recursos financeiros, de metas”, acrescentou Feldmann, que também foi secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança Climática, entre 2000 e 2004, e do Fórum Paulista de Mudança Climática Global e Biodiversidade até 2010. Em sua opinião, “não há nada inovador” em relação a conferências anteriores.
Feldmann concorda com a adoção de padrões de consumo energético, melhoria na governança mundial ambiental e com financiamento prioritário de ciência sobre desenvolvimento sustentável e economia verde. “Mas, operacionalmente, como tudo isso funcionaria?”, perguntou.
Para o ecologista Sérgio Ricardo, membro e fundador da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, trata-se de “um discurso de economia verde e, na prática, de uma economia marrom”, em referência aos bancos estatais que financiam iniciativas privadas não sustentáveis e ao impulso a fontes não renováveis, como centrais termoelétricas e nucleares. Por outro lado, considera “muito positivo a inclusão de metas do milênio, como redução da pobreza e das desigualdades sociais”, mas, lembra que “há certa distância entre o discurso e a economia oficial”.
A proposta de Brasília para o setor financeiro (que tem uma “capacidade única de indução e fomento da economia internacional”) é um protocolo de sustentabilidade social e ambiental. Um pacto para a economia verde inclusiva deveria incorporar de forma obrigatória informações sobre conduta social e ambiental e governança corporativa nos relatórios anuais de empresas, bancos e fundos de pensão, entre outros atores do setor privado.
Também é proposta a adoção de índices comparativos de sustentabilidade que sirvam de referência para os investimentos em bolsas de valores. “Concretamente, gostaria de saber o significado disso em termos de legislações nacionais”, disse Feldmann. O chanceler brasileiro, Antonio Patriota, explicou que, uma vez apresentadas todas as propostas oficiais à ONU, começará a negociação dos documentos finais da Conferência, que acontecerá de 4 a 6 de junho. “Logo no início de 2012, entraremos na fase de negociações intergovernamentais para chegar ao documento final da Rio+20”, afirmou aos jornalistas.
Em junho de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática e Desenvolvimento constituiu um momento inovador. Os governos adotaram a Agenda XXI, o primeiro plano detalhado de medidas mundiais, nacionais e locais par alcançar o desenvolvimento sustentável, e as convenções sobre a diversidade biológica e a mudança climática. Envolverde/IPS