Por Marianela Jarroud, da IPS –
Santiago, Chile, 27/11/2015 – Para a presidente do Chile, Michelle Bachelet, a cúpula climática de Paris “não é o fim de um processo, mas o início”, de onde sairá “um acordo que, embora seja insuficiente em relação à meta original, demonstra que as pessoas consideram que é melhor avançar do que ficar em ponto morto”. Em entrevista exclusiva à IPS, realizada pouco antes de viajar à capital francesa, a mandatária falou sobre os impactos da mudança climática em nível mundial e enfatizou várias vezes que os acordos alcançados na cúpula “deverão ser vinculantes”, além de universais.
Bachelet participará, no dia 30, da abertura da 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), que acontecerá até 11 de dezembro e na qual deverá ser aprovado um novo tratado por seus 195 países integrantes, a fim de conter o aquecimento global. A presidente também apontou que a cúpula em Paris terá um simbolismo distinto, após os atentados terroristas nos quais morreram mais de uma centena de pessoas. “Será um sinal claríssimo de que não nos deixaremos amedrontar”, afirmou.
IPS: A América Latina é uma região com impactos semelhantes pela mudança climática, mas negocia com vozes fragmentadas sobre como enfrentá-la. A região perdeu uma oportunidade de liderança e melhor defesa de seus interesses conjuntos?
MICHELLE BACHELET: Às vezes não se consegue levar uma só voz, porque, apesar de haver realidades semelhantes, devem ser tomadas decisões que nem sempre os governos estão dispostos a adotar, ou porque vivem momentos distintos. Nós pertencemos à Associação Independente da América Latina e do Caribe para as negociações sobre mudança climática junto com Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Panamá, Paraguai e Peru. Nós nos pusemos de acordo e temos olhares convergentes sobre a mudança climática. Os países da região não são os que geram mais emissões em nível global e, além de podermos ter algumas diferenças, o relevante é que todos faremos esforços importantes para reduzir as emissões, para potencializar energias mais limpas e outros mecanismos e iniciativas.
IPS: A COP 21 aprovará o texto de um novo tratado climático universal?
MB: A COP 21 não é o fim do processo, é o início de um processo no qual os países entregarão seus compromissos nacionais, e depois verão os mecanismos para avaliar a implantação daquilo e, a cada determinado período, propor outras metas, mais ambiciosas em alguns casos. Esta será a primeira cúpula sobre mudança climática, depois da conferência de Copenhague (2009) – quando não se conseguiu chegar a um acordo, apesar de se saber que o Protocolo de Kyoto terminava –, que pode levar a algum nível de acordo. Pode não ser do nível ótimo, pode ser que aparentemente os compromissos até agora entregues publicamente pelos Estados não consigam o objetivo de evitar que a temperatura do planeta aumente mais de dois graus. Contudo, é um tremendo avanço ao que ocorre historicamente. Agora, o Chile sustenta que os compromissos devem ser vinculantes e vamos apoiar essa postura que, claramente, não é apoiada por todos.
IPS: A senhora se inscreve, então, entre os que acreditam que Paris marcará um ponto de inflexão positivo na luta contra a mudança climática?
MB: Sim, no sentido de que se chegará a um acordo concreto e definitivo. Mas, insisto, é o início de um caminho. Depois será preciso tomar outras medidas mais ambiciosas, para reduzir ainda mais a temperatura do planeta.
IPS: O tratado em debate incluirá financiamento que o Sul global, e em particular a América Latina, requer para contribuir para o planeta não chegar a uma situação irreparável para a vida humana?
MB: Tenho a esperança de que o Fundo Verde para o Clima cresça e permita que os países sem acesso a tecnologia ou a recursos possam ter acesso a eles. Sempre teremos na região a contradição que surge, de que somos países considerados de renda média e, portanto, não somos priorizados na hora dos recursos, mas que, por sua vez, nossas economias muitas vezes não podem assumir custos maiores. Por outro lado, somos os menores emissores. Por isso no Chile colocamos duas metas, uma sem apoio externo e outra com apoio externo de redução em 45% das emissões. Mas também existe uma possibilidade de financiamento por meio de programas de cooperação, para a introdução e transferência de novas tecnologias para nossos países, que nos permitirá poder responder aos compromissos.
IPS: Como primeira diretora-executiva da ONU Mulheres (2010-2013), a senhora colaborou com a construção da tese de que as mulheres devem ser levadas em conta nas negociações e ações climáticas, porque elas suportam diariamente seus impactos e são determinantes na adaptação e mitigação do aquecimento. Que protagonismo deveriam ter as mulheres no novo tratado?
MB: Há uma quantidade de decisões cotidianas que influem e que são tomadas pelas mulheres. Por exemplo, a eficiência energética é um programa muito fundamental na hora da redução de emissões e que pode ser muito doméstico, como apagar as luzes. Mas, também, em muitos lugares do mundo, são as mulheres que carregam água, que cozinham com lenha, sobretudo em áreas mais vulneráveis. Então, disso até a contribuição como cidadãs preocupadas com a mudança climática, com o convencimento de que é possível uma economia verde, uma economia inclusiva e sustentável. E, por certo, o papel político da mulher em nível do parlamento, dos municípios, que impulsione com força as medidas e também garantindo um planeta possível de se viver.
IPS: Como presidente e como chilena, o que mais a preocupa sobre a situação climática atual. Em que colocaria a máxima prioridade?
MB: São muitas as coisas que me preocupam em relação à mudança climática, que vão desde secas impressionantes, inundações, ilhas que poderiam desaparecer sob a água, isto é, como afetam a vida das pessoas eventos da natureza que estão vinculados à mudança climática. Também me preocupa o essencial para o ser humano, que é que haja água para beber e alimento, dois elementos que podem ser profundamente afetados com a mudança climática. Vemos como há regiões do país onde as pessoas recebem água somente de caminhões-pila e de forma racionada. Isso afeta não só a vida cotidiana das pessoas, mas também, em zonas agrícolas, a produção e a renda. Pensamos na maravilhosa variedade de peixes e mariscos que temos em nosso país e que está vinculada às temperaturas do oceano. Tudo isso pode acabar sendo modificado. É tudo muito importante e acaba afetando a vida das pessoas.
IPS: Paris foi vítima, no dia 13 deste mês, do terrorismo jihadista, com mais de uma centena de mortos. Esses atentados alteraram o clima da cúpula? A participação dos chefes de Estado e de governo servirá também como uma resposta a esse terrorismo?
MB: Há mais de 160 chefes de Estado e de governo confirmados para a reunião na capital francesa, o que não deixa de ser um claro sinal de que “não vamos nos deixar atemorizar”. Vamos a Paris, primeiro porque o tema que será abordado e discutido é importante, mas também porque passaremos uma mensagem de que não vamos tolerar esse tipo de ação e que seguiremos adiante na defesa dos valores que nos parecem essenciais. E daremos um abraço de solidariedade na irmã República da França, no presidente François Hollande e no povo francês.
IPS: O Chile teve um aplaudido processo de consulta pública para a construção de suas contribuições previstas e determinadas em nível nacional (INDC), a serem incluídas no novo tratado. Mas setores da mídia e empresariais criticaram algumas das metas voluntárias estabelecidas. Isso dificultará sua execução?
MB: Nem sempre todos estão de acordo, o que vemos em diferentes processos. Espero que haja cada vez maior consciência, e essa é uma tarefa que também temos como governo. A mudança climática é uma realidade, não uma invenção, que terá consequências desastrosas para todos, mas também para a economia. Para nós, é indispensável, por um lado, baixar as emissões em 30% até 2030. Há quem considere que nosso compromisso é insuficiente, mas é o que podemos prometer hoje, entendendo a situação econômica na qual o país e o mundo se encontram. Trata-se de um compromisso sério e responsável. E, obviamente, se a situação econômica melhorar, colocaremos metas mais ambiciosas. Por outro lado, o Chile tem um plano de adaptação que inclui, entre outras coisas, reflorestamento de mais de cem mil hectares de floresta nativa e um programa de eficiência energética. Envolverde/IPS