Por Dal Marcondes*, especial para a Envolverde –
Recebi de um amigo um vídeo onde um narrador português acusa a Organização Mundial de Saúde (OMS) a incentivar a sexualização de crianças ainda na primeira infância. Em tom sensacionalista o narrador acusa a OMS de ensinar crianças a se masturbar através de uma grotesca encenação onde uma mulher conversa com uma menininha e a legenda dá a entender que ela está falando sobre masturbação. Acontece que o áudio original da mulher em questão é ininteligível.
O diálogo é em uma língua incompreensível, o que permitiu a completa adulteração do que está sendo dito. Essa é uma técnica grotesca, uma vez que boa parte das pessoas não tem a menor ideia do que realmente está sendo dito. Para a maioria tanto faz se a personagem está falando inglês, francês ou grego. Portanto a farsa ganha ares de veracidade.
A discussão sobre o uso de redes para a manipulação da sociedade é um dos temas mais importantes do nosso tempo. Desde que esse debate começou a sociedade, e não apenas a brasileira, foi lançada em um pântano de incertezas, com informações que se contradizem e se anulam. O debate político não trata mais de questões sociais ou econômicas, mas de narrativas morais e ideológicas. É o aborto, a liberação das armas, a criminalização da maconha, o fim das saidinhas dos presídios e coisas do tipo.
A crise do liberalismo e da mídia
Onde ficam as discussões sobre políticas de desenvolvimento, educação, habitação, mobilidade e outras questões de dia a dia das famílias e da sociedade em geral? O liberalismo, professado historicamente pela direita, defende pautas de liberdade econômica e pessoal, não legisla sobre o corpo ou sobre hábitos pessoais.
Tudo isso vem em meio, também, a uma crise de credibilidade do jornalismo profissional. A indústria do jornalismo se acomodou em uma zona de conforto até o início deste século e não se preparou para o enorme tubarão no aquário representado pelas plataformas digitais. Essas plataformas abocanharam uma enorme fatia das receitas publicitárias e os meios tradicionais, jornais e revistas, ficaram com uma receita marginal.
Essa crise financeira e de modelos de negócios fragilizou a presença dessas mídias tradicionais em diversos setores sociais. As plataformas, por sua vez, ampliaram fortemente a oferta de conteúdos grátis, mas sem a garantia de veracidade. Essas variáveis, e muitas outras, formaram a tempestade perfeita no cenário da comunicação social.
O futuro do processo civilizatório e da capacidade social em divergir sem produzir inimigos depende de um pacto de civilidade, com o reforço da capacidade do jornalismo profissional em incidir com informações checadas. Por outro lado, é necessário fornecer à sociedade meios de se proteger do sectarismo e da mentira.
Para que possamos evoluir em nosso arranjo social precisamos de mais uma disciplina nas escolas de todos os níveis: educação midiática. É preciso ensinar as pessoas a checar as informações que recebem. A grande maioria das chamadas “fake news” espalhadas pelas redes não se sustenta com uma simples checagem nos instrumentos oferecidos pelas próprias plataformas. No entanto grande parte desse conteúdo é compartilhado milhares e até milhões de vezes sem que as pessoas se deem ao trabalho de “dar um google”.
*Dal Marcondes é jornalista com especialização em economia, meio ambiente, sustentabilidade e ESG. É fundador e editor do site e do Instituto Envolverde e reconhecido pela ANDI – Agência Nacional dos Direitos da Infância como um JACA – Jornalista Amigo da Criança.