Por Beatriz Diniz*
Geral quis se livrar de 2016. E o ano mais desgraçado dos últimos tempos parecia não querer acabar de tanta coisa ruim e um segundo a mais. Só que teve algo muito bom demais da conta, sensacional mesmo, com desdobramentos nos próximos anos que podem ser ótimos pra gente. É a entrada em vigor do Acordo de Paris, reunindo nações e líderes mundiais pra enfrentar o maior desafio da humanidade, que já afeta a vida da gente. Mas, como a gente vai saber de algo que pouco se noticia, que não bomba na internet? Como a gente vai dar atenção pro que não é notícia todo dia, não é anúncio, não tá na televisão nem na internet o dia todo?
O aquecimento global e as mudanças climáticas são o maior desafio que a humanidade precisa enfrentar. E enfrentar hoje, não é conversa pra amanhã. Tanto que o planeta fica mais quente a cada ano, com altas temperaturas batendo recorde após recorde. E quanto mais quente, mais mudanças no clima, nos oceanos, na produção de alimentos, na vida das pessoas em todo o mundo.
2016 terminou como o ano mais quente entre os mais quentes já registrados desde 1880 [quando começaram as medições precisas], superando 2015, com o mesmo aumento mês a mês, só que com temperaturas ainda mais altas. Então, se teve algo bom nesse ano foi ter se conseguido um acordo confirmado por mais de 100 países pra esse item da cota de coisas ruins desse ano poder virar coisas boas em 2017, 2018, 2019, 2020 e daí pra frente.
Como é que a gente vai saber disso?
O fato de 2016 ser o ano mais quente já registrado em 136 anos e o fato do acordo do clima ter entrado em vigor mais rápido que qualquer outro são os primeiros destaques de 2016 na retrospectiva da Organização das Nações Unidas [ONU]. Quer ver? Clica aqui.
Os dois fatos destacados pela ONU estão relacionados e são extremamente relevantes pra vida da gente. Deviam estar destacados nas retrospectivas do que aconteceu de importante no ano. No entanto, nem foram noticiados o suficiente pra gente ter a percepção de importância [como quando um assunto é repetido dias e dias em jornais, telejornais, programas de rádio, redes sociais dos meios de comunicação, blogs] e compreender do que se tratam.
Se o Jornalismo não registra nem repercute os fatos de acordo com sua relevância, gravidade e urgência, como é que a gente vai saber disso? Se entram nas retrospectivas sem muito destaque ou alguma explicação explícita, por que a gente vai achar, pensar ou imaginar que são importantes?
E aí fica puxado, porque a gente precisa participar das soluções. Enfrentar o maior desafio da humanidade não é uma realização pros outros, não é uma solução mágica de governos, parlamentos e empresas. É tarefa pra todos, sem discriminação. E é agindo que a gente faz um ano bom, ao invés de ficar reclamando das desgraças e sofrendo com as tragédias.
O bom do clima fora da retrospectiva
As empresas de Jornalismo e de Tecnologia consolidaram em 2016 a tendência de relevância das desimportâncias, das verdades de mentira, da boataria rentável. E a gente seguiu validando a geração e distribuição de fatos que não importam, que não são verdadeiros, que não têm sequer utilidade. No Facebook, 3 das 10 postagens mais acessadas sobre o Zika vírus eram piada ou boato.
As retrospectivas resumem a relevância das desimportâncias no Jornalismo. Teve retrospectiva de carros, de carros mais feios, de memes, de vestidos de noivas que mais abafaram, de tudo quanto foi futilidade e boçalidade que bombou na internet. O que é desimportante ganha destaque e esforço de divulgação. O importante não importa?
Na chamada pra retrospectiva de 2016 da Record TV não teve menção à entrada em vigor do Acordo de Paris. Na chamada da Rede Globo o Acordo de Paris ter entrado em vigor também não foi mencionado, importante pra merecer destaque é a cantora chamar o marido na chincha durante um show. Ô, papai, fala sério…
Na retrospectiva de A a Z do G1 o Acordo de Paris foi mencionado apenas pela ratificação por EUA e China. Brasil ratificou, a gente confirmou, esqueceram. Não foi informado que o acordo do clima entrou em vigor em 2016, o que podia ser destacado como fato positivo desse ano “desgraçado”. Ficou no A de acordo. Só que o Acordo de Paris estaria na letra C de Conferência do Clima [quando foi assinado o acordo], na letra E de entrada em vigor e na letra R de ratificação.
A retrospectiva da Rede Globo apresentou 5 minutos de natureza e clima, sensacional o espaço. Teve muita informação, porém, faltou fazer a relação objetiva com o Acordo de Paris. A menção ao acordo foi reduzida à assinatura, faltou informar que foi ratificado, entrou em vigor e que tem a ver com a “natureza em transformação”, com o “nunca vivemos um ano tão quente”.
Miriam Leitão dedicou uma edição de sua coluna aos riscos ambientais que tão subindo no Brasil, uma retrospectiva e tanto. Só escorregou na avaliação de que com tantas crises tem “pouco espaço para se noticiar os riscos ambientais e climáticos”. Espaço tem, falta é pautar mesmo. Aliás, com a internet e as redes sociais o que não falta é espaço. Mesmo com tantas crises, não faltou espaço pra noticiar as celebridades que se separaram, faturaram, rebolaram, compraram carrão e postaram no Instagram, fazendo a gente desperdiçar tempo com o que não importa de verdade, botar valor no que parece importante tamanha repetição em notícias e anúncios, dar atenção pra desimportâncias.
O clima teve em 2016 outro fato marcante, e positivo, apesar de esquecido nas retrospectivas. É feito de brasileiros dar pras mudanças climáticas a maior audiência mundial já obtida, na abertura dos Jogos Olímpicos. Nunca antes havia se falado pra tanta gente junta sobre o assunto.
Uma menção ao acordo do clima, uhu!, é pra comemorar diante da profusão de retrospectivas de mediocridades irrelevantes. E a gente precisa falar sobre o que a imprensa noticia como relevante nesse tempo em que o que importa de verdade demanda mais espaço. Assim como a gente precisa falar de aquecimento global e mudanças climáticas, porque enfrentar o maior desafio da humanidade requer sociedades bem informadas e agindo cotidianamente. A função do jornalismo nessa empreita é estratégica.
Feliz 2017 que você tem o poder de fazer
Se muitas coisas ruins aconteceram em 2016, tá na hora da gente lembrar que nada acontece por milagre, que tudo é resultado das escolhas diárias, pessoais e profissionais. Um ano de coisas boas é feito pela gente, dia após dia, no engajamento pra cuidar melhor da vida e de tudo que provê a vida, escolhendo dar atenção ao que importa de verdade.
2017 já começou com um exemplo incrível na imprensa internacional. Entre as 5 notícias mais lidas no Washington Post, já cedinho no dia 5 de janeiro, 2 eram sobre aquecimento global e mudanças climáticas [dá uma olhada]. Às 12h15 aqui, essas notícias publicadas na editoria na editoria Business, em Energy and Environment, já eram as 2 primeiras mais lidas. Lógica simples: publicar! Sem publicar, nunca vai bombar.
Que daqui pra frente a gente entenda que o que importa é saber o que importa. Especialmente a jornalistas e editores, que a pauta clima tenha mais espaço nos noticiários e mais esforços de divulgação. Que assim a gente escolha fazer, juntos, misturados e conectados de qualquer lugar, muitos novos anos bons!
E pra inspirar corações e mentes, vale saber de outros destaques de 2016!
. Os 16 fatos marcantes para o clima em 2016 na retrospectiva do Observatório do Clima
. Os ganhos expressivos para agenda da sustentabilidade empresarial na retrospectiva do CEBDS
. Desafios e conquistas na retrospectiva do Instituto Socioambiental [vídeo]
* Beatriz Diniz é criativa do Eco Lógico [conteúdo sem fins lucrativos, desde 2009] e da Eii, Amoreco [marketing digital de propósito]. Jornalista com Especialização em Gestão Ambiental, formação em Desenvolvimento Sustentável e Liderança em sustentabilidade nas cidades.