Por Liszt Vieira*
“A influência da humanidade no Planeta Terra nos últimos séculos tornou-se tão significativa a ponto de constituir-se numa nova época geológica”. (Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química)
Segundo o Quinto Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de Março de 2014, durante o Século 21 os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura do Planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.
A concentração de gases que produzem o Efeito Estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias como as que foram adotadas no Acordo sobre o clima, discutido em Paris em Dezembro de 2015 e ratificado em Abril último com a sua entrada em, vigor no dia 4 deste mês (Novembro).
Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2ºC, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos, como secas, inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola, aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência RIO-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4°C!
Segundo o cientista brasileiro Carlos Nobre, a cada hora, 9 mil pessoas se somam à população mundial, 1.700 toneladas de nitrogênio são lançadas na atmosfera e 4 milhões de toneladas de CO2 são emitidas – sendo que 50% delas são absorvidas pela vegetação e também pelos oceanos, que estão cada vez mais ácidos, prejudicando a vida marinha. Neste mesmo intervalo de tempo, 1.500 hectares de florestas são derrubados no mundo – comprometendo a absorção de carbono, que começa a se concentrar ainda mais nos oceanos e na atmosfera, aumentando o Efeito Estufa – e três espécies entram em extinção – velocidade 1.000 vezes maior do que o processo natural.
As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no Planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em que o homem começa a destruir suas condições de existência no Planeta.
Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu livro “Algo de Novo Sob o Sol” (Something New Under the Sun) que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o Planeta suportar as atividades humanas. Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.
Em Setembro de 2009, um artigo da revista Nature (A safe operating space for humanity – Rockström et alii) afirma que pode estar sob grave ameaça a longa era de estabilidade – conhecida como Holoceno – em que a Terra foi capaz de absorver, de maneira mais ou menos suave, perturbações internas e externas. Um novo período, o Antropoceno, vem emergindo desde a Revolução Industrial e seu traço característico é a centralidade das ações humanas sobre as mudanças ambientais globais.
No 38º Encontro Anual da ANPOCS, em outubro de 2014, Caxambu – MG, um documento do Grupo de Trabalho sobre Política Internacional afirmava que “o advento do Antropoceno traz consigo o fim da estabilidade geobiofísica do Planeta, quebrando a matriz de estabilidade e linearidade que é o pressuposto para previsões do futuro com base em acontecimentos do passado. A não linearidade é a nova realidade, porque é característica de sistemas complexos tais como os sistemas geobiofísicos”. (O sistema internacional no Antropoceno: o imperativo da governança global e de um novo paradigma geopolítico de Larissa Basso e Eduardo Viola). Os autores advertem que, como as fronteiras planetárias estão sendo ultrapassadas, a solução seria caminhar na direção de uma governança global que ultrapassasse os atuais limites do soberanismo para um sistema internacional baseado no pós-soberanismo.
Fases do Antropoceno
Dois anos antes, em Dezembro de 2007, na revista Ambio da Real Academia de Ciências da Suécia, Paul Crutzen detalhou os impactos que marcam a entrada no antropoceno. Com Will Steffen, especialista em problemas ambientais da Universidade Nacional de Canberra, Austrália, e John McNeill, professor de história na School of Foreign Service em Washington, ele publicou um artigo intitulado “O antropoceno: os humanos estão prestes a fazer submergir as grandes forças da natureza?” Após ter modificado, nestes últimos 50 anos, seu ambiente como nunca o fizera antes, perturbando o sistema climático e deteriorando o equilíbrio da biosfera, a espécie humana, transformada numa “força geofísica planetária”, deve agora agir muito rapidamente para limitar os desgastes.
De acordo com ele, essa era se iniciou por volta de 1800, com a chegada da sociedade industrial, caracterizada pela utilização maciça de hidrocarbonetos. Desde então, não cessa de crescer a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, causada pela combustão desses produtos. A acumulação dos gases do efeito-estufa contribui para o aquecimento global. A primeira fase do Antropoceno vai de 1800 a 1945 ou 1950 e corresponde, portanto, à formação da era industrial.
A segunda fase vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem sendo chamada de “A Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população humana dobrou de 3 para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis passou de 40 para 800 milhões! O consumo dos mais ricos se destacou do restante da Humanidade, alimentado pela disponibilidade geográfica de petróleo abundante e barato no contexto do pós-Segunda Guerra e pela difusão de tecnologias inovadoras que catalisaram um vasto processo de consumo de massa (como os automóveis modernos, as TVs etc.).
Na atual fase 2 da Era Antropocênica (1945-2015), registrou-se uma aceleração considerável das atividades humanas exageradas sobre a natureza. “A grande aceleração se encontra em estado crítico”, afirmaram Crutzen, Steffen e McNeill no artigo citado, porque 60% dos serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres já enfrentam degradação.
Vemos hoje uma combinação explosiva entre os dilemas da crise ecológica global e os dilemas da desigualdade global. Um grupo de 2 bilhões de pessoas dispõe de padrão de consumo elevado e se apropria dos consequentes benefícios materiais, enquanto 4 bilhões vivem na pobreza e 1 bilhão na miséria absoluta.
Numa terceira fase, a partir de 2000 ou, segundo alguns, de 2015, a humanidade toma consciência do Antropoceno. Na realidade, a partir dos anos 1980, os seres humanos começam a tomar progressivamente consciência dos perigos que sua atividade produtiva cada vez mais intensa gerava para o “sistema Terra”. Trata-se de perigos para a própria humanidade que não poderia sobreviver com a destruição dos recursos naturais.
Opções
A humanidade teria três escolhas para a terceira fase da Era Antropocênica. A primeira consiste em manter as mesmas atitudes e esperar que a economia de mercado e o espírito humano de adaptação cuidem dos problemas ambientais. Segundo os autores citados acima, esta opção oferece “riscos consideráveis”: quando forem decididas medidas adequadas de combate aos problemas pode ser “tarde demais”.
A segunda opção, a de atenuação, tem por objetivo reduzir consideravelmente a influência humana sobre o Planeta, por meio de uma melhor gestão ambiental, com novas tecnologias, uso mais sábio de recursos e restauração de áreas degradadas, mas isso requer “importantes mudanças no comportamento dos indivíduos e nos valores sociais”.
Caso isso não se prove possível, existe uma polêmica terceira opção: o uso de geoengenharia para alterar o clima e combater o aquecimento global. A opção envolveria manipulações bastante poderosas do meio ambiente em escala mundial, com o objetivo de contrabalançar as atividades humanas. Por exemplo, já existem planos para reter o gás carbônico em reservatórios subterrâneos, ou espalhar na atmosfera partículas que reflitam a luz solar, refrigerando a temperaturas. Mas isso envolve elevados riscos, pois “o remédio pode ser pior que a doença”.
Outros caminhos podem surgir. Do lado otimista, há quem afirme que, em 15 anos, não haverá mais produção de carros movidos a combustível. Todos os novos carros seriam elétricos. O custo para recarregar baterias seria 80% mais barato do que os atuais combustíveis fósseis. O preço barato do petróleo, a continuar, inviabilizaria investimentos na produção via pré-sal ou gás de xisto. A Europa, os EUA e a China já fazem grandes investimentos na pesquisa e produção de energia alternativa, principalmente solar. Por outro lado, o preço do petróleo baixo “pode ter o efeito de tornar mais lento o crescimento de renováveis nos próximos anos” (“A Proposta do Brasil para a COP-21 Vai Ser Ruim”, artigo de Eduardo Viola na revista ECO 21, Agosto 2015).
Enquanto isso, na época, no Brasil, o Ministro de Minas e Energia anunciou a criação de novas usinas térmicas a carvão e gás, altamente poluentes. O Ministério da Agricultura queria avançar sobre Terras Indígenas e Parques Nacionais para uso do agronegócio, atropelando a biodiversidade. O então Ministro de Assuntos Estratégicos demitiu dois economistas especializados em sustentabilidade que não é considerado assunto estratégico. E o Ministério do Meio Ambiente silenciava como de costume.
Os acordos vazios e sem compromissos assinados pelos presidentes do Brasil e dos EUA não enganaram ninguém. O Brasil ainda está entre os dez maiores emissores mundiais de Gases de Efeito Estufa. Encontra-se, portanto, no grupo de países que deve assumir compromissos substanciais de reduções de suas emissões. Mas ainda prevalecia no Governo a rejeição a energias alternativas por “falta de escala”.
Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo dos discursos oficiais. A COP-21 poderia ter sido uma grande oportunidade para o Brasil ressurgir das cinzas e propor medidas eficazes de combate às mudanças climáticas que ameaçam a humanidade pelo abuso e destruição irresponsável dos recursos naturais. Mas isso exige liderança e consciência da importância da sustentabilidade. (Eco21/ #Envolverde)
* Por Liszt Vieira é doutor em Sociologia/Professor da PUC-Rio.
** Publicado originalmente na edição 240 da Eco21.