por Fábio Feldmann* e Israel Klabin**
Com a aprovação pelo Senado Federal da proposta de emenda constitucional (PEC) 65, que permite a realização de obras públicas sem a análise dos impactos ambientais, o Brasil adentra o necessário debate sobre o tema pela “porta dos fundos”.
Sob o pretexto da simplificação, o resultado catastrófico será o total esvaziamento da avaliação ambiental e da participação da sociedade na discussão dos empreendimentos com significativo impacto, contrariando o que determina a Constituição Federal de 1988.
Embora se alegue que a participação pública pode tornar a licença mais lenta, estudos internacionais demonstram o contrário, desde que essa participação seja feita de forma efetiva. Com a garantia de legitimidade no processo de licenciamento ambiental, teríamos menor risco de judicialização.
A avaliação ambiental foi introduzida nos EUA em 1969, por meio de uma lei cujo modelo, com pequenas diferenças, foi adotado por mais de 150 países. As principais agências multilaterais também incorporaram nas suas normas a exigência dessa avaliação. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, no exame de pedidos de empréstimo, tem buscado seguir padrões de proteção ambiental.
Especialmente a partir da Rio-92, conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, a avaliação ambiental e a participação pública ganharam foro no direito internacional, além de disposições expressas nas duas mais importantes convenções lá assinadas: a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção de Mudanças Climáticas. Mais recentemente, a Rio + 20 reafirmou esses compromissos no documento “The Future We Want”.
Vale lembrar também dos Princípios do Equador, iniciativa que traz para o setor financeiro um conjunto de diretrizes para o financiamento de grandes projetos, com ênfase na identificação de riscos socioambientais. Mais de 80 instituições financeiras, em mais de 30 países, já aderiram voluntariamente aos Princípios, dentre as quais os mais importantes bancos brasileiros.
Em outras palavras, é indissociável a ideia do desenvolvimento sustentável da efetiva implantação da avaliação ambiental e da participação pública. Deixar prosperar iniciativas como a PEC 65 traria ao país enorme desconforto com a comunidade internacional em termos de credibilidade, além de afetar o acesso a recursos das agências multilaterais.
Quais investidores sérios aportariam recursos para empreendimentos de significativo impacto ambiental sem atender a requisitos universais de avaliação ambiental e de participação pública?
Vale ressaltar que vários projetos de lei tramitam há décadas no Congresso Nacional sobre a matéria, sem que nossos parlamentares confiram importância ao tema. O primeiro deles, de autoria de Fabio Feldmann, o PL 710, tramita desde 1988 e está há anos pronto para a pauta no Plenário.
Aproveitando a experiência acumulada nesses últimos 30 anos, é necessário rever o licenciamento ambiental no Brasil. Precisaríamos, contudo, primeiro conhecer a realidade desse instrumento no país.
Até que ponto é verdadeira, ou não, a informação tão propalada de que o licenciamento é obstáculo para a implantação de empreendimentos de infraestrutura? O que pode ser feito para torná-lo mais ágil e eficiente, menos cartorial e burocrático? Como a experiência internacional pode nos ajudar?
Para tanto, recomendamos que a Presidência da República assuma a liderança desta discussão sobre o licenciamento ambiental, com o propósito de atender as demandas da sociedade brasileira.
Dessa forma, poderiam ser promovidas as mudanças necessárias para que esse instrumento cumpra os requisitos universais já mencionados, eliminando-se exigências desnecessárias. Certamente haveria um ganho inquestionável para todos.
*FABIO FELDMANN é membro do conselho da FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável). Foi deputado federal (1986-1998) e secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo (gestão Mário Covas)
**ISRAEL KLABIN é presidente da FBDS. Foi prefeito do Rio de Janeiro (1979-1980)
Publicado originalmente da Folha de S. Paulo