Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 8/8/2016 – Líder singular, com toques de heroísmo, de uma geração política em extinção no Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta dois processos judiciais que podem pôr fim à sua carreira.A erosão de sua popularidade pelos escândalos de corrupção que arruinaram o sistema partidário, especialmente o seu Partido dos Trabalhadores(PT), não extinguiram sua liderança e a possibilidade de recuperar o apoio de amplos setores da população, segundo pesquisas recentes.
Sua nova candidatura à Presidência em 2018, com provável êxito diante da atual falta de adversários à altura, é um sonho pessoal, do PT e de outras forças de esquerda, que a justiça poderá jogar por terra.É o que alimenta acusações do PT, de que o Ministério Público e os juízes que investigam Lula atuam em aliança com a direita, que já triunfou ao conseguir abrir, em maio, um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, que o parlamento concluirá este mês, ou início de setembro.
Lula, que governou o país entre 2003 e 2011, é investigado por supostamente ter recebido favores de construtoras envolvidas nos multimilionários desvios de dinheiro da Petrobras. Além disso, outro tribunal decidiu, em 29 de julho, julgá-lo pela acusação de tentativa de obstrução das investigações sobre esse escândalo, que já envolve mais de 200 empresários e políticos.
A pressão judicial sobre Lula “busca impedir sua candidatura em 2018, mas tem consequências mais profundas, intensifica a polarização e a radicalização políticas que pode levar a uma situação como a da Argentina, de peronistas contra peronistas”, teme Fernando Lattman-Weltiman, professor de ciência política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
“A destruição sistemática de líderes políticos produz insegurança, por envolver instituições que deveriam ser apartidárias, como o Ministério Público e a justiça. Não importa que suas decisões sejam corretas, são marcadas pelo contexto polarizado, e qualquer atitude é vista com um viés partidário”, destacou Lattman-Weltiman à IPS.“Assim, a legitimidade de tudo sofre uma corrosão, em um círculo vicioso, um túnel sem fim. A própria imagem do Supremo Tribunal Federal (STF) já está comprometida, arranhada por algumas sentenças”, acrescentou.
A percepção de que Lula é perseguido pela operação Lava Jato ganha adeptos, especialmente entre seus partidários, desde março, quando foi submetido a uma condução coercitiva para depor e também foram gravadas e divulgadas conversas telefônicas com Dilma Rousseff.
As duas medidas, determinadas pelo juiz federal Sergio Moro – que conduz,com base na cidade de Curitiba, no Estado do Paraná, a operação sobre a rede de subornos estabelecida na Petrobras –, foram consideradas ilegais ou inadequadas por inúmeros juristas e inclusive membros do STF.O ex-presidente recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 28 de julho, para denunciar que é vítima de violações de garantias fundamentais nas investigações contra ele.
O recurso se passeia no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela ONU em 1966 e que o Brasil ratificou em 1992.Os advogados de Lula consideram que o juiz Moro violou quatro disposições do Pacto sobre detenções arbitrárias, presunção de inocência até a condenação judicial, interferências na privacidade e direito a um tribunal imparcial.
O temor por arbitrariedades do juiz, que mantém dezenas de acusados sem condenação, foi o que levou Dilma a designar Lula ministro da Casa Civil em março, dois meses antes de o parlamento abrir o processo de impeachment contra a presidente alegando irregularidades fiscais.Os tribunais suspenderam a nomeação, diante de suspeitas de que se tratava de uma manobra para obstruir o processo contra Lula, já que os ministros só podem ser investigados e julgados pelo STF.
Isso agravou a situação do ex-presidente, em lugar de protegê-lo. Agora a acusação de obstrução da justiça o converteu em réu.Lula teria determinado a um senador do PT subornar o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, para evitar sua colaboração com a justiça e as consequentes revelações sobre a corrupção na empresa, encabeçada por dirigentes de vários partidos e grandes construtoras.
O plano fracassou. O agora ex-senador Delcídio Amaral foi detido em novembro de 2015 por propor a Cerveró fugir do país, em uma conversa gravada e entregue à polícia. Depois foi aceita a delação premiada, que reduz as penas em troca de acusação de outros implicados em um caso, e denunciou Lula.
Como acusado, junto com Amaral e outros cinco réus, por um tribunal de Brasília, e não por Moro, Lula parece ter uma condenação assegurada. Uma ratificação dessa mais que provável condenação em primeira instância por um tribunal superior antes de 2018 o deixará inabilitado para ser candidato à Presidência devido à lei da ficha limpa.
O ex-presidente também enfrenta investigações fiscais e policiais orientadas por Moro sobre favores que teria recebido de grandes construtoras, que já reconheceram ter desviado muito dinheiro de projetos da Petrobras e se preparam para revelar tudo. Essas companhias fizeram custosas reformas em um apartamento na praia e em um sítio na cidade de Atibaia, no Estado de São Paulo, que o Ministério Público suspeita serem propriedades de Lula, embora estejam em nome de terceiros.
O cerco se fecha contra o antigo operário, filho de camponeses que migraram do Nordeste para os arredores da metrópole de São Paulo nos anos 1950, fugindo da seca e da miséria.Sua biografia, de trabalhador infantil a operário metalúrgico que perdeu um dedo da mão esquerda em um torno, para depois ser líder sindical, fundador do PT e presidente mais popular do Brasil, compõe uma façanha mítica que, somada às suas políticas de redução da pobreza, dificilmente apagarão tropeços judiciais.
“Foi o único líder que poderia ter feito as reformas que o Brasil tanto necessita, como as política e tributária, e a trabalhista. Temos muitos impostos, um sistema político que não funciona e estimula a corrupção”, lamentou Doubel Macedo, veterano engenheiro químico de uma empresa de construção e petróleo.
Durante seus dois governos, “Lula teve o mercado ao seu favor, a economia crescendo com o alto preço dos produtos básicos, até os empresários o apoiavam, era quase uma unanimidade nacional, com força para transformar o país e superar os entraves ao desenvolvimento”, pontuou Macedo à IPS.
Não há outros líderes de seu nível atualmente, afirmou o engenheiro, destacando que não é petista nem de esquerda. Com sua ausência e a proscrição de outros dirigentes “do segundo escalão”, quase todos acusados de corrupção, corre-se o risco de em 2018 ser eleito o polêmico ex-presidente Fernando Collor, que em 1992 se converteu no primeiro presidente inabilitado do país, alertou Macedo. Envolverde/IPS