Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 27/6/2016 – Cruzar o Brasil do seu extremo norte até o ponto mais ao sul, caminhando e empurrando uma cadeira de rodas, foi o que fez José Castro, o grande incentivador da criação de um partido focado nos direitos dos deficientes.Sua façanha, batizada como Extremas Fronteiras, Extremas Barreiras – Cruzada pela Acessibilidade”, foi um chamado para maior atenção às “pessoas com deficiência” e aos obstáculos que elas enfrentam nas ruas, nos prédios, nas construções em geral e em sua inserção social.
A longa marcha de 10.700 quilômetros, entre as fronteiras com a Venezuela e com o Uruguai, durou de fevereiro de 2014 a setembro de 2015, coincidindo com os primeiros esforços para a fundação do Partido pela Acessibilidade e a Inclusão Social (PAIS).Idealizado por Lee de Lima, um ativista da cidade de São Paulo que perdeu os movimentos das pernas em um acidente de carro, o PAIS já conseguiu apoio de 450 mil eleitores que assinaram seus estatutos, cerca de90% do necessário, explicou Castro à IPS.
Mais conhecido por Zé do Pedal, por percorrer longos trechosem bicicleta,inclusive uma volta ao mundo, Castro estima que em janeiro atingirá o meio milhão de assinaturas exigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).O PAIS será o 36º partido político legalizado no Brasil, e possivelmente terá vida curta, porque a crise política e econômica que vive o país exige, segundo voz crescente, reformas que deverão reduzir ou conter a quantidade excessiva de partidos.
“A proliferação de partidos afeta a governabilidade, elevando os custos da negociação” de apoio ao governo, opinou Antonio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, um dos especialistas ouvidos pela IPS sobre o tema.“Gera crises, ao dificultar a aprovação de projetos e levar o Poder Executivo a trocar favores por apoio no parlamento”, explicou Mara Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
Impedir as coligações para eleições proporcionais, isto é, para deputados, é uma medida que tem amplo apoio, para evitar distorções, como “eleger um candidato de direita com o voto dado a outro de esquerda”, observou Queiroz.Para Paulo D’Ávila, professor de Ciências Políticas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, “seria um fator importante na redução da quantidade de partidos”.
A coligação eleitoral permite que pequenas agrupações disponham de tempo para propaganda no rádio e na televisão, recebam uma cota do Fundo Partidário, e assim elejam seus deputados, convertendo-as em um negócio. Por essa via também são eleitos candidatos com escassos votos em detrimento de outros mais votados.Mas seu fim “ainda não é um consenso e não será aprovado sem que se reconheça a federação de partidos ou frentes que agrupem os que têm afinidade ideológica” durante as funções legislativas, pontuou Queiroz.
Outra norma apontada como necessária por analistas é endurecer a chamada “cláusula de barreira”, isto é, exigências mais rigorosas de representatividade para que um partido obtenha ou mantenha o registro legal.Uma lei de 1995 impõe, como condição para um partido atuar nas casas legislativas, um mínimo de 5% dos votos válidos nas eleições proporcionais distribuídos em nove dos 27 Estados brasileiros.
Essa regra deveria ter entrado em vigor em 2006, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a considerou inconstitucional, ao concluir que apenas sete dos 29 partidos então registrados cumpririam a cláusula e teriam acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda nos meios de comunicação.
A crise atual, agravada pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e por dezenas de parlamentares e dirigentes políticos acusados de corrupção, intensificou o debate sobre a necessidade de uma reforma que acabe com a fragmentação de partidos e o financiamento ilegal das campanhas eleitorais. Mas é difícil que os grandes partidos incluam essas propostas em suas agendas no curto prazo, destacou D’Ávila.
Para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que lidera o governo desde o afastamento da presidente, em 12 de maio, e é a maior força legislativa,“é útil a existência de muitos pequenos partidos, e que eliminá-los poderia ser um tiro no pé”, contou D’Ávila. Além disso, “seria preciso separar o joio do trigo: há pequenos partidos sem consistência, mas há outros com tradição ideológica”, que seriam injustamente sacrificados pelas barreiras de exclusão, indicou.
O cientista político fala da aparente contradição entre a crescente diversidade de partidos e a polarização entre o esquerdista Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o país entre 2003 e 12 de maio, e o Partido da Social Democracia BrasileiraPSDB, que o fez entre 1995 e 2003. “Ambos protagonizaram eleições presidenciais, mas tinham o PMDB como um fiel da balança, como um auxiliar da governabilidade, sem uma agenda própria”, nas coligações governamentais, explicou. Agora sim, assumiu o governo, com Michel Temer, ainda que interinamente.
Enquanto a disputa pelo Executivo se limitava a poucos partidos, no parlamento a tendência é sua multiplicação, com a representação das minorias. Os partidos governantes anteriores, PT e PSDB, perderam legisladores, enquanto o PMDB cresceu e se afirmou como a maior força nas duas casas legislativas, recordou D’Ávila. Em meio à atual crise, “seria precipitado” apontar rumos de realinhamentos partidários e de evolução política no Brasil, acrescentou.
A crise já estava implantada em 2015, quando três novos partidos obtiveram registro legal no TSE: Partido Novo, Rede Sustentabilidade e Partido da Mulher Brasileira (PMB). Este último reflete bem a deterioração da política no Brasil e a existência de “partidos de aluguel”.Nos meses seguintes ao seu reconhecimento, em setembro, recebeu a adesão de 23 deputados, 21 deles homens, dos quais permaneceu apenas um, também homem.
Segundo as normas do TSE deputados e senadores só podem mudar de partido, sem risco de perderem seus mandatos, se aderirem a um que seja novo. Além disso, o PMB oferecia vantagens aos deputados na divisão do Fundo Partidário e no horário político gratuito.“A tendência é que o PMB, criado para atender interesses momentâneos, desapareça sem nem mesmo se unir a uma frente”, previu Queiroz.
“É um partido vazio de propostas, que não representa a mulher, mas promove uma visibilidade equivocada do movimento feminino e se aproxima das posições conservadoras”, explicou Masrá Abreu, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, que monitora temas parlamentares relacionados a gênero.
“A direita no Brasil, que não quer se apresentar como tal, com imagem associada à ditadura militar (1964-1985), adotou a estratégia de se fragmentar em vários pequenos partidos que se juntam em bancadas direitistas como a ruralista ou a “da bala”, que defendem interesses do agronegócio ou da indústria de armas, disse Telles.Com o parlamento e os partidos atuais, movidos por interesses imediatos “não vejo possibilidade de reformas, nem mesmo por uma Assembleia Constituinte”, acrescentou. Seu prognóstico é de maior agravamento da crise e da fragmentação, até que finalmente ocorram as mudanças. Envolverde/IPS