por Samyra Crespo –
É um tema amplo, com uma extensa literatura que abrange as utopias, conhecimento técnico acumulado, experiências em várias escalas (distritos verdes, cidades pequenas, ecovilas e até as grandes cidades).
Não existe uma cidade inteiramente sustentável, com economia circular consolidada e equilibrada no tripé do desenvolvimento sustentável: o econômico, o ambiental e o social.
É portanto um rumo, uma direção, um vetor que pode estar mais manifesto, mais concreto aqui e ali.
Cidade sustentável é projeto, work in progress.
Em meados dos anos 2000 a ONU anunciou um fato importante: o planeta Terra tornara-se urbano, querendo dizer com isso que os seres humanos estavam cada vez mais concentrados em cidades e adotando o estilo de vida urbano. Esta tendência continua e forte.
Desta forma, o desafio da sustentabilidade como doutrina e prática deveria testar sua viabilidade nas cidades.
Isso não significava ignorar os transtornos derivados de áreas verdes cada vez mais antropomorfizadas por agricultura e outras atividades que resultam em desmatamento ou predação dos recursos naturais.
O velho dilema rural X urbano, cidade-campo, sob novas bases, outras lentes.
Três fatos relevantes podem ser destacados neste tema das cidades sustentáveis:
1. Um poderoso movimento de transformação das municipalidades sob diferentes ‘frames’: ‘cidades verdes’, ‘cidades saudáveis ‘, ‘cidades inteligentes’, ‘Agenda 21’, ‘ecocidades’. Este movimento é real, evolui e existe um repertório de modelos e experiências para gestores e interessados.
2. Um movimento global que criou em 2015 (como resultado da Rio + 20) a Agenda 2030, com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
São 17 objetivos, e um deles se refere especificamente à cidades.
O conjunto dos objetivos também contempla tópicos importantes do DS, como água, energia, combate à fome e à pobreza, entre outros.
3. Existe, desde a Rio 92, um acúmulo de conhecimento técnico considerável para recuperação de áreas degradadas, de como restaurar ecossistemas, gerir resíduos e selecionar atividades econômicas menos impactantes do ponto de vista socioambiental.
As mudanças climáticas vêm como um tópico que se sobressai dado que estão em curso, não há como detê-las. Medidas de prevenção e mitigação de desastres ambientais de grandes proporções têm – necessariamente – que integrar a cartilha dos gestores e autoridades das cidades.
No Brasil, calcula-se que 70% das cidades são vulneráveis a desastres, com destaque para os municípios costeiros. A recente tragédia no RS serviu como duea lição – a chamada pedagogia da dor.
Bem, amigos, toda essa argumentação introdutória para dizer que o meu intento ao escrever sobre as cidades e os votos progressistas, nas próximas eleições, não tem a ambição de passar uma régua e verificar se tal cidade está ou não praticando com efetividade a cartilha da sustentabilidade.
Não estou interessada, nesse momento, nas agendas máximas.
Entendo bastante do assunto. Sou ambientalista, dou aulas sobre o tema, já ocupei cargos públicos importantes, já experimentei na pele o que é ser gestor num país onde or órgãos são loteados politicamente e os técnicos fazem o que podem para enfrentar os lobbies (em geral mancomunados com políticos pouco escrupulosos).
Meu objetivo, repito, é mostrar cidades com iniciativas interessantes e que se distinguem por serem progressistas: conversam com o futuro que me interessa promover.
Amanhã voltarei com o meu terceiro texto sobre Maricá (Região dos Lagos/RJ). Em seguida, escreverei sobre a cidade de Niterói.
* Samyra Crespo é ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.