Por Washington Novaes*
Parece pouco provável que se consiga chegar ainda hoje, em Paris, na Conferência do Clima, a um texto final que possa ser aprovado pelos quase 200 países participantes. No meio da semana já se cogitava de prorrogar as discussões pelo fim de semana, tantas eram as divergências – países que queriam um texto “vinculante”, outros que pretendiam baixá-lo para um “acordo” não obrigatório, outros que ainda mencionavam uma simples “declaração de intenções”, sem eficácia prática.
Tudo era contraditório, difícil, embora se tentasse até dividir a discussão em quatro grupos, um deles coordenado pelo Brasil. O governo norte-americano, apoiado por outros países ricos, exigia que os países em desenvolvimento também contribuíssem financeiramente para um fundo de US$ 100 bilhões destinado a enfrentar as mudanças climáticas. Os mais pobres não aceitavam. Prazo de revisão de metas (cinco anos? Mais? Quando?) era outra polêmica.
O Brasil colocava-se a favor de um texto “vinculante”, obrigatório para os signatários. Mas ainda havia quem contestasse até as informações oficiais sobre as emissões brasileiras de poluentes: “estáveis” em 2014, com 1,558 bilhão de toneladas de carbono equivalentes, 9% menos que 1,571 bilhão de toneladas em 2013, embora no ano tenha havido queda de 18% na taxa de desmatamento na Amazônia, que influencia as emissões (Observatório do Clima, 19/11). A influência maior foi atribuída ao setor de energia, que emitiu 6% mais. O jornal Le Monde escreveu (amazonia.org, 26/11) que está cada vez mais difícil manter o papel regulador da Floresta Amazônica no clima, com o desmatamento de 763 mil quilômetros quadrados em 40 anos.
A ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, chegou a ironizar, dizendo (Folha de S.Paulo, 28/11) que “os países desenvolvidos querem que a gente pague a conta do clima junto com eles”. E a ONU lembrou que, mesmo se aprovadas as propostas nacionais de redução de poluentes apresentadas em Paris por 186 países participantes, a temperatura do planeta subiria 2,7 graus Celsius até 2100 – acima dos 2 graus admitidos como limite para evitar catástrofes. A intenção oficial brasileira é de reduzir nossas emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020 e em 37% até 2025 e 43% até 2030 – números que também sofrem contestações.
Em meio a todas as polêmicas chegavam as notícias de que o governo chinês emitira o primeiro alerta vermelho (o mais grave) por causa da maior poluição de todos os tempos em Pequim, com a concentração de material particulado no ar em 300 microgramas por metro cúbico, quando a Organização Mundial de Saúde define o limite de periculosidade em 25 microgramas. Foram interrompidas obras, reduzida em 50% a circulação de carros, impostas restrições a fábricas.
Surpreendentemente, pela primeira vez na história dessas conferências, índios brasileiros de várias etnias e vários pontos do território, coordenados pelo chefe Raoni Metuktire, debateram em Paris a necessidade de defender os territórios indígenas, dada a sua importância para o clima. Um dos focos esteve em projetos de hidrelétricas, como as planejadas para o Rio Tapajós, que atingirão vários grupos. As palavras de Raoni lembraram as que disse ao autor destas linhas há quase 20 anos, num documentário para a televisão: “Eu não quero espingarda, facão, revólver, panela, roupa – nada do branco. Eu quero viver como viveram meu pai e meu avô”. André Baniwa, um dos participantes, respondendo a pergunta de um francês, disse que “o governo sempre é pressionado pelo poder econômico e isso faz com que a Amazônia só seja enxergada por esse ponto de vista. Não consegue enxergar os povos indígenas”. Mas, como afirmou Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA) de São Paulo, “são as formas tradicionais de viver dos povos indígenas as verdadeiras barreiras contra a degradação florestal e o desmatamento” (ISA, 5/12). De fato, vários estudos têm demonstrado que as reservas indígenas são a forma mais eficaz de barrar o desmatamento – mais que reservas legais ou unidades de conservação.
Paris também assistiu à discussão sobre o relatório da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) de quatro regiões de florestas tropicais do mundo, feito por organizações indígenas da Amazônia, do Congo, da Indonésia e da Mesoamérica, no qual está registrado que os territórios indígenas guardam grande parte do dióxido de carbono; nos territórios indígenas ainda não reconhecidos oficialmente estão cerca de 9% do carbono florestal; se essas florestas fossem derrubadas, cerca de 74,6 gigatoneladas de CO2 seriam emitidas, quase uma vez e meia as emissões totais de gases poluentes de todo o mundo em 2014 (ISA, 8/12). Outro estudo, de 2014, mostrou que 32,8% do carbono da Amazônia está em terras indígenas, mas 22,2% desse total em áreas não reconhecidas oficialmente.
Que será agora, diante da perplexidade e da aflição da ciência e das sociedades em todos os países? E sabendo que, no Brasil, desde 2000 apenas R$ 20 milhões foram destinados nos orçamentos governamentais a essas demarcações, enquanto as verbas para o agronegócio passaram nesse período de R$ 20 bilhões para R$ 156 bilhões (Conselho Indigenista Missionário, 27/8)? E os índios ainda estão às voltas com propostas no Congresso para tirar do Executivo (Funai, Ministério da Justiça) a atribuição de demarcar essas terras e passá-la para o Congresso, onde a bancada ruralista é muito forte.
Não há mais como fazer de conta que essas informações não existem. O clima e a preservação de áreas que o favorecem, como as indígenas – repita-se – estão no centro das preocupações de governos e sociedades em todo o mundo. Não é possível ignorar o que se está discutindo em Paris. Nem agir ou governar pondo apenas as questões econômicas em primeiro lugar e no centro de tudo, como se nada mais houvesse, aqui e fora. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: [email protected]).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.