Por Marcia Hirota e Mario Mantovani –
Atuação organizada entre parlamentares e sociedade civil pode garantir agenda pautada na resposta à emergência climática
Dizem que no Brasil o ano só começa depois do Carnaval, mas 2020 chegou acelerado e demandando que o país siga o trilho do desenvolvimento sustentável. Incêndios na Amazônia e Austrália, fortes chuvas em estados do Sudeste e o Fórum Econômico Mundial convergem na mensagem de que a agenda socioambiental não é capricho de acadêmicos ou militantes. Precisa integrar de vez o planejamento de governos, setor privado e economistas, e ganhar peso em propostas do Legislativo e em decisões do Judiciário. Um futuro mais seguro depende disso.
Investidores internacionais puxam a orelha do governo brasileiro pela má condução do combate à crise do clima e a falta de proteção à biodiversidade e outros temas socioambientais. Diante da conjuntura política, parte do Congresso Nacional se desdobra para tentar manter conquistas legislativas que fizeram do país um exemplo para nações e organismos internacionais, enquanto outras bancadas estão presas a velhas pautas. Ainda tramitam na casa cerca de 40 proposições para dar cabo ou reduzir o nível de proteção de áreas protegidas e ameaças o próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Agenda estratégica para o país, o marco regulatório do Licenciamento Ambiental vem tramitando no Congresso há mais de uma década. Esse instrumento previsto na Constituição Federal tem o objetivo de garantir transparência, participação e promover o desenvolvimento econômico, mantendo a qualidade do ambiente e a viabilidade social de empreendimentos e atividades econômicas.
Um país federativo, de dimensões continentais como o Brasil, que reúne enormes riquezas em seus diferentes biomas precisa de uma legislação moderna e eficiente. Para isso, é urgente regulamentar o licenciamento por meio de uma lei de diretrizes gerais que garanta equilíbrio entre as regiões e compatibilize normas de caráter subnacional e local, sem flexibilizar e enfraquecer parâmetros ambientais e sociais. Uma lei ambiental moderna deve ser capaz de minimizar riscos e observar características locacionais de empreendimentos para evitar que crimes ambientais como os da Vale, em Minas Gerais, continuem a exportar impactos para além das áreas onde as atividades ocorrem. É importante diminuir a burocracia, dar agilidade e meios para aplicação dos instrumentos previstos nessa proposta, como a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e Estudos de Impacto Ambiental. Mas, a efetividade dessa lei depende da destinação de orçamento e de recursos que garantam o bom funcionamento dos órgãos técnicos e do sistema de meio ambiente. Dar condições para essas garantias também é papel preponderante do Congresso.
A tragédia do petróleo que afetou praias brasileiras segue sem culpados. Esse dano ambiental e outros de atividades minerárias, suscitaram Comissões Parlamentares de Inquérito. A Câmara e o Senado precisam dar retorno à sociedade sobre os desdobramentos desses processos, para resgatar a credibilidade e acabar com a sensação expressa no dito popular de que CPIs “acabam em pizza”. Além disso, para avançar em agendas positivas, é fundamental a aprovação da Lei do Mar. Esse projeto de lei, amplamente debatido com especialistas, comunidades e órgãos gestores, permitirá ao país ampliar a atenção a esse importante bioma, aprimorar planos de contingência e elaborar o planejamento espacial marinho.
Outra proposta que tem potencial de mudar a realidade brasileira é a Lei do Saneamento. O reconhecimento de que o acesso à água limpa e ao saneamento são direitos humanos é premissa para dotar o país de uma norma eficaz, que traga meios concretos para que metas e prazos da universalização deixem de ser protelados. O novo marco regulatório pode trazer avanços com o ingresso de recursos privados para essa agenda estratégica que depende de bons instrumentos de regulação e da participação da sociedade. O saneamento básico, ainda negligenciado no Brasil, é fundamental para recuperar a qualidade da água de mananciais e acabar com rios de classe 4, aqueles altamente poluídos, com água imprópria para qualquer uso.
O Pagamento por Serviços Ambientais, proposta aprovada na Câmara em 2019, aguarda sinal verde do Senado e demanda o comprometimento dos congressistas em viabilizar recursos para sua implementação. Articulada entre as Frentes Parlamentares Ambientalista e da Agropecuária, como reação diante das queimadas na Amazônia, valoriza e compensa produtores e proprietários de terras que preservam e que promovem a adequação ambiental em seus imóveis. É um exemplo prático e efetivo de como a união entre os setores de meio ambiente e do agronegócio é positiva para um novo modelo de desenvolvimento.
É fato que o cenário nacional amplia desafios para uma atuação organizada entre parlamentares, sociedade civil e pesquisadores, que podem convergir propostas em espaços como a Frente Parlamentar Ambientalista e a Comissão de Meio Ambiente da Câmara, com pautas que interessam a sociedade e setores econômicos.
Movimentos como esses demonstram que espaços democráticos de participação seguem ativos, mas que precisam de presença permanente e qualificada da sociedade para sua continuidade.
Com a nova realidade orçamentária, o Congresso Nacional passa a ser determinante na definição da aplicação dos recursos e nas ações do Governo. Portanto, é preciso convocar os brasileiros para que a agenda socioambiental ganhe relevância na elaboração do orçamento. Todas essas políticas públicas dependem da atuação do Congresso em garantir recursos nas próximas leis orçamentárias. Especialmente neste ano de eleições municipais, esperamos que a agenda política e eleitoral brasileira seja pautada em propostas e compromissos que respondam à urgência climática e aos desafios do novo século.
*Marcia Hirota e Mario Mantovani são, respectivamente, diretora executiva e diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.