por Neuza Árbocz, especial para a Agência Envolverde –
De 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, Escócia, delegados de 197 países estão reunidos pela 26a vez em uma COP, Conferência entre as Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática – convenção esta firmada em 1992 e ratificada em 1994.
O encontro acontece a cada ano, desde 1995, com a meta de alinhar compromissos mundiais que resultem em uma real mudança nos modos produtivos e nas matrizes energéticas das nações, de forma a evitar um desastre climático capaz de extinguir a vida humana na Terra.
Esta previsão pode parecer apocalíptica para quem não seguiu, ou não decifra, o nível de abstração dos índices científicos, derivados de estudos que acompanham as temperaturas e dados ambientais no globo desde o século 18. De fato, estes colocam como limite máximo suportável de aumento, apenas 1,5°C. O que face às flutuações extremas que enfrentamos, parece insignificante. Contudo, cabe ressaltar que este limite se refere à média mundial das temperaturas e que uma ínfima alteração reflete, em verdade, extensas séries históricas de dados de todo o globo, onde cada ponto representa intrincadas interações químicas na atmosfera do planeta.
De fato, os registros mostram um crescimento constante nas médias de temperaturas globais, a ponto de causar o degelo de grandes massas no Polo Norte, distúrbios nos ciclos hídricos, modificações nas temperaturas, acidez e níveis do oceano, entre outras consequências que resultam em um efeito dominó sobre a cadeia da vida no planeta.
A emissão de gás carbônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N20), principais gases de efeito estufa resultantes das atividades industriais e dos hábitos humanos, apesar de todos os alertas realizados há mais de um século, atingiram novas altas em 2020: 413,2 ppm (partes por milhão), 1889 ppb (partes por bilhão) e 333,2 ppb, respectivamente. O que significa 149%, 262% e 123% acima de seus níveis em 1750, pré-era industrial.
“Mais choveu que nevou nos picos gelados da Groenlândia, pela primeira vez desde que se há registro. Os glaciares canadenses estão derretendo a olhos vistos. Uma onda de calor, levou a temperatura para 50°C em uma pequena cidade de British Columbia, naquele país; assim como muitas localidades mediterrâneas registraram recordes de temperaturas. O calor excepcional foi, não raro, acompanhado por queimadas devastadoras”, lista o professor Petteri Taalas, secretário geral da Organização Metereológica Mundial (WMO). “Chuvas equivalentes a meses caíram em questões de horas na China e partes da Europa, motivo de graves enchentes e bilhões em perdas econômicas. Um segundo ano consecutivo de seca na América do Sul sub-tropical reduziu o volume de importantes rios e prejudicou a produção agrícola e de energia naquela região”, continuou. “Os eventos extremos são o novo normal. Temos crescente evidência científica de que mudanças climáticas induzidas pela pegada humana estão deixando suas marcas”, finalizou o professor Taalas, ao comentar o vasto relatório divulgado pela sua Organização, em paralelo ao início dos trabalhos em Glasgow.
Esforços hercúleos, ações anêmicas
Quando estive em Paris, na COP21 em 2015, o que mais me impressionou, foi o grande salão onde o rascunho do Acordo era ordenada e minuciosamente revisto, ponto a ponto, vírgula por vírgula, pelos representantes de todos os países signatários da Convenção do Clima. Algumas centenas de pessoas estavam ali. Reinava calma e não discussões exaltadas, relatos de tragédias e acusações acaloradas.
Cada delegação já havia recebido o rascunho e discutido sua estrutura extensamente antes de embarcar para o encontro mundial. Assim, os debates apimentados antecediam o encontro presencial. A cada frase lida, se todos estavam de acordo, seguia-se para a próxima. Se algum país desejava sugerir modificações, mesmo que de uma simples pontuação ou palavra, se colocava em votação pelos demais 196 grupos participantes com direito a opinar. A fluidez do processo, para quem está acostumada a brigas por assuntos bem mais corriqueiros nos plenários municipais, estaduais e, até mesmo, no Federal, como o povo brasileiro está, foi inesperado.
Não é preciso viajar para cobrir uma Convenção do Clima com exatidão. A própria equipe da ONU se preocupa em dar total transparência e visibilidade a tudo que acontece no evento e mune os jornalistas do mundo todo com detalhados materiais, documentos e relatos de cada etapa. Contudo, apenas presencialmente, capturamos algumas sutilezas do processo. Como o fato de que, para acolher os chefes de mais de 100 nações, em uma mesma data, a cidade sede quase enlouquece com medidas logísticas e de segurança. Somente a comitiva de Obama, em 2015, demandou um lockdown geral de toda uma ala do aeroporto Charles de Gaulle, na capital francesa. Seus próprios aviões trouxeram uma frota de nada menos que 30 carros blindados e todos os alimentos que suas autoridades consumiriam. O roteiro do então presidente dos EUA era segredo de Estado; e sua chegada em qualquer lugar era precedida por uma varredura completa de sua equipe pessoal.
As proporções das pegadas ecológicas de todas as comitivas que se reúnem em eventos como esse, além daquelas dos participantes civis, de ONGs e empresariais, não são nada desejáveis em um planeta tão esgarçado como o nosso. COPs – embora o possam parecer em muitos momentos – não são festas, não são passeios e nem mera socialização ou feira de negócios. Delas se esperam regras e determinações mundiais claras, que justifiquem o imenso esforço para sua realização.
Consensos e compromissos que pedem transformação de hábitos e padrões são raros entre nações do mundo. Colocá-los em prática, mais ainda. O Protocolo de Kyoto, primeiro tratado climático, exemplifica bem isso: firmado em 1997 em busca de direcionar recursos das nações mais desenvolvidas (e poluentes) aos países ainda em fase de ampliar suas indústrias e urbanização, só entrou em vigor em 2005 e com metas de redução da emissão de gases de efeito estufa (ou sua compensação pelo complexo “Mercado de Carbono” imaginado para efetivar esta troca) para o período de 2008 a 2012. “Até o último momento, tremíamos pensando se tudo fracassaria nos últimos segundos”, lembra, em entrevista ao portal G1, Herrmann Ott, advogado ambientalista e cientista climático, que acompanhou a elaboração do documento.
Já seu complemento, o adendo de Doha, com metas para 2013 a 2020, não chegou a entrar em vigor, pois faltam-lhe até hoje a assinatura de 144 nações. Isto porque, após as delegações baterem o martelo quanto à redação final de um tratado, cada país deve assinar legalmente um “Termo de Aceitação”. Esse impasse inspirou uma troca de estratégia: as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Assim, em 2015, na COP21, a adesão foi facilitada por cada país escolher a meta com que se comprometeria. Mesmo assim, a alegria com as 192 assinaturas obtidas ao longo do ano de 2016 congelou com o anúncio da retirada dos EUA do Acordo, em novembro de 2019, pelo seu então presidente Donald Trump. Fato que ele consumou em novembro de 2020. Susto que passou quando Joe Biden, sucessor no comando norte-americano, retornou ao compromisso em janeiro deste ano. Em seu discurso no encontro da Escócia, neste 01 de outubro de 2021, Biden garantiu que “os compromissos climáticos dos EUA não são apenas palavras”.
O mundo todo precisa desta relação do que se coloca no papel e do que segue como ação cotidiana.
O Brasil não chegou a se retirar do Acordo de Paris, mas ignorou nos últimos seis anos todas as metas que abraçou e, como bem sabemos, voltou a recordes de desmatamento e queimadas, sendo o único integrante dos G-20 que aumentou suas emissões no período. O país chega à COP26 com a promessa de zerar seu desmatamento ilegal. Não imediatamente – mesmo que os danos da perda de florestas são visíveis e intensos aos próprios brasileiros e há legislação vigente para combatê-la – mas ainda até 2028; dois anos antes, em todo caso, do que a meta firmada em Paris. Também promete neutralizar* suas emissões de carbono equivalente – fórmula criada para possibilitar o intercâmbio de ações poluentes por outras, restaurativas ou compensatórias – até 2050; sem dar muitas pistas de como o fará. Vale lembrar que o Brasil usa como patamar de referência as emissões de 2005 e não as do ano de 1990 como as outras nações. (*Neutralizar significa, em primeiro lugar, reduzir as emissões o máximo possível e compensar 100% das restantes, com tecnologias apropriadas).
Posar bem na foto, não é tão difícil. Ainda mais se cumprir o prometido ficar a cargo de novos dirigentes, e não da atual gestão. No entanto, o empenho para firmar acordos mundiais é tão dispendioso e trabalhoso que merece muito mais que as ações subsequentes anêmicas vistas até o momento.
O foco principal do encontro deste ano está em regulamentar o Acordo de Paris, em seus detalhes, para que este saia do papel. Há uma grande expectativa quanto ao seu Artigo 6 que prevê a possibilidade da compra e venda dos chamados “créditos de carbono” pelas nações. Mecanismo idealizado para catapultar investimentos em restauração florestal, agricultura regenerativa, energia limpa e desmatamento evitado, na mesma proporção das emissões de gases de efeito estufa que não possam ser zeradas. Seus críticos apontam o risco do mecanismo acomodar e prolongar modos defasados de produção, mais do que incentivar sua substituição por outros mais limpos e ambientalmente corretos. Este embate depende justamente das regras que Glasgow proporá.
“Cientistas são claros nos fatos. Agora os líderes precisam ser igualmente claros em suas ações. A porta está aberta: as soluções estão aqui. COP26 deve ser um ponto de virada. Nós precisamos agir agora – com ambição e solidariedade – para salvaguardar o futuro e salvar a humanidade”, convocou Antonio Guterres, secretário geral das Nações Unidas.