Por Dal Marcondes, especial para revista Carta Capital edição 1086 – 

O Brasil sai de Madri de mãos abanando e organizações internacionais e brasileiras acham que o país pode ficar de fora de uma nova e rica economia de baixo carbono

A participação brasileira na COP25, em Madri, precisa ser dividida em duas partes. Uma é o que fez a comitiva oficial do governo, liderada pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, que circulou pelas salas da conferência onde, em muitos casos, diplomatas brasileiros desejavam permanecer invisíveis enquanto o ministro tentava convencer delegados de outros países que o Brasil é um modelo de preservação ambiental e seu governo um paladino na defesa da Amazônia e dos povos indígenas. Não deu certo. A outra parte foi representada principalmente por governos subnacionais, da Amazônia e do Nordeste, que tratavam de se afastar do discurso e da presença da comitiva oficial para apresentar aos países ricos propostas de parceria para a preservação de florestas e biomas ameaçados, além de garantias de direitos para as comunidades tradicionais.

Os nove governadores de estados da Amazônia Legal chegaram a Madri com a forte intenção de oferecer uma alternativa para o aporte de recursos em financiamento de projetos na região. Organizados no Consórcio Interestadual da Amazônia Legal buscaram realinhar as propostas de preservação da floresta com os interesses defendidos principalmente pelo Acordo de Paris, já abandonado pelos Estados Unidos de Trump e objeto de desprezo de Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente. O consórcio é composto pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins.

O governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), que lidera a iniciativa, anunciou um acordo com o governo Francês que abre caminho para que o bloco amazônico possa transitar diretamente junto a financiadores internacionais em busca de recursos para projetos sociais e ambientais. Góes, que em setembro esteve na Cúpula do Clima, em Nova York, a convite da embaixada da França, tem reforçado que respeita a hierarquia federativa, mas que os estados da Amazônia têm o direito de buscar recursos para suas políticas de preservação e desenvolvimento.

O secretário de Meio Ambiente do governo da Bahia, João Carlos da Silva, foi outro que se esforçou nos corredores da COP em mostrar que nem todo mundo no Brasil é isolacionista nas questões climáticas e, principalmente, que há interesse de diversos outros atores na construção de mecanismos de apoio a projetos no Brasil. “Estamos aqui mostrando que existe um Consórcio de Estados do Nordeste que deseja sedimentar acordos de colaboração para o desenvolvimento da região”, explicou o secretário.

Pela primeira vez em décadas a delegação oficial brasileira ficou fora do centro das atenções em uma COP, seus membros, todos ligados ao governo federal, foram proibidos pelo ministro Salles de conversar com qualquer jornalista ou membro de organizações não governamentais, o que limitou muito o acesso às informações sobre as posições do país nesta COP. No entanto, entre delegados estrangeiros circulou a notícia sobre o mal-estar criado por Salles, que de sala em sala pedia dinheiro para que o Brasil cumpra seus compromissos voluntários assumidos na COP 21, em Paris.

Basicamente o Brasil assumiu os seguintes compromissos voluntários no Acordo de Paris:

  • Reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025.
  • Reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, até 2030.

Para isso será necessário principalmente zerar o desmatamento ilegal em todos os biomas do país, mas em especial na Amazônia, que neste primeiro ano do governo Bolsonaro quebrou recorde em áreas desmatadas e em queimadas criminosas.

Diplomatas estrangeiros questionaram sobre qual a lógica do governo brasileiro em bloquear bilhões de reais em recursos já doados ao Fundo Amazônia e depois ir a Madri com o pires na mão pedindo mais dinheiro.  O diretor da organização brasileira Observatório do Clima, Carlos Rittl explica que o que permanece do Brasil em relação ao Acordo de Paris é apenas a assinatura e discursos vazios. “Apesar de já ratificado pelo Congresso, não há nenhuma indicação de políticas que possam levar ao cumprimento dos compromissos do país perante 195 outros países que também ratificaram o acordo”, diz Rittl.

Apesar de algumas avaliações que apontam o fracasso da COP de Madri em obter mais compromissos, fora do campo da política há quem se preocupe com os Impactos, principalmente econômicos de uma degradação do clima do planeta. Uma declaração de 631 investidores internacionais, que administram mais de US$ 37 trilhões em ativos, pede aos governos que intensifiquem os esforços para enfrentar a crise climática global e alcançar os objetivos do Acordo de Paris.

Apresentada durante a COP 25, a “Declaração de Investidores Globais aos Governos sobre Mudança Climática” pede o fim das usinas a carvão e o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis em todo o mundo. Os investidores advertem que os atuais compromissos dos governos não impedirão que a temperatura média global suba mais do que 1,5°C, limite além do qual a ciência alerta sobre efeitos catastróficos e irreversíveis no clima global. O apelo dos investidores à ação foi reforçado pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, na abertura da COP 25.  “Recebemos (…) uma carta dos líderes das entidades de gestão de ativos (…) pedindo aos líderes políticos que melhorem seus compromissos em relação ao clima”, disse Guterres.

O CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), também se manifestou a favor de políticas mais restritivas em relação ao clima e lançou durante a conferência, em Madri, o resultado de uma pesquisa realizada em parceria com as organizações WWF e CDP (Carbon Disclosure Program) América Latina, mostrando que políticas de controle do Clima podem representar um impacto positivo para as empresas e para a economia no valor de US$ 123,7 bilhões. Enquanto os riscos representam impacto negativo de US$ 45 bilhões aos brasileiros. Para conseguir o melhor cenário a pesquisa estima que serão necessários investimentos da ordem de US$ 17,5 bilhões. Participaram 61 companhias brasileiras e multinacionais com operações no país, que representam cerca de 90% do capital comercializado em bolsa de valores no Brasil.

Depois de sair de Madri com as mãos abanando e sem nada para mostrar o ministro Ricardo Salles postou em suas redes sociais uma foto de churrasco com a seguinte legenda: “Para compensar nossas emissões na COP, um almoço veggie!” (#Envolverde)

Obs: Este texto está sendo publicado apenas neste início de ano para respeitar o prazo de circulação da edição impressa de Carta Capital que circulou em 25 de dezembro de 2019.