Opinião

ESG x Milton Friedman

por Hugo Bethlem, Chairman do ICCB (Instituto Capitalismo Consciente Brasil) e Chief Purpose Officer da BravoGRC, e Fábio Alperowitch, Socio-diretor da FAMA Investimentos e Conselheiro Emérito do ICCB (Instituto Capitalismo Consciente Brasil)

Há cerca de dois anos o tema ESG (Environmental, Social and Governance) chegou na mídia. E conforme a onda sobre o tema se expandiu e ganhou ressonância em praticamente todas as empresas e em diferentes camadas da sociedade, alguns “profetas do atraso” passaram a prometer derrubar os mitos que envolvem o ESG. Pois bem, o debate sobre um tema é sempre bastante saudável, principalmente, quando as lentes da discussão estão calibradas para o atual contexto do mundo e não para um passado que já não mais condiz com a realidade dos fatos e dos dados.

Os “profetas do atraso”, para rebater o que vem pela frente, o futuro, fazem referência ao Milton Friedman (Nobel de economia em 1976 e professor na famosa escola de Chicago, falecido em 2006), que em 1970 publicou no New York Times um artigo de enorme repercussão onde dizia que “a única responsabilidade social da empresa é maximizar os lucros (e retornos dos acionistas)”.

A partir disso, consolidou-se como o pai do capitalismo de shareholders, ou seja, um sistema em que acredita que o único objetivo de uma empresa é contemplar seus acionistas. Considerando a época em que foi escrito o artigo é compreensível na medida em que o acionista foi aquele que acreditou na empresa, financiou a companhia e correu todos os riscos para que a mesma prosperasse.

Contudo, no contexto atual, essa é uma doutrina já superada. O que Friedman não considerou é que a riqueza do acionista nunca poderia ser feita às custas da dor e miséria dos demais stakeholders de uma companhia. Isso não deve ser aceitável por duas razões básicas: este modelo não é nem ético e nem sustentável ao longo prazo.

Infelizmente, Friedman influenciou a cultura corporativa de muitas empresas ao longo das últimas cinco décadas, causando dor e sofrimento a muitos stakeholders. Felizmente, no entanto, muitas e relevantes empresas, tanto no cenário internacional quanto doméstico, despertaram para o problema e têm feito uma rápida e poderosa transição.

Um sistema econômico que recompensa a maximização da riqueza sobre o bem-estar alheio e prioriza o individualismo sobre a interdependência não pode manter-se funcional a longo prazo.

É perfeitamente possível unir lucro e responsabilidade. E arriscamo-nos dizer que boa parte das empresas mais admiradas e bem-sucedidas da atualidade já pensam desta maneira – inclusive, há pesquisas globais e com recorte nacional que mostram que as empresas só têm a ganhar adotando esse pensamento na prática.

Cada vez mais empresas têm percebido que para seus negócios prosperarem, precisam ter um propósito, uma razão de ser, que deve responder à simples questão: “qual a dor da sociedade nosso negócio se propõe curar?”. Se não há propósito, o negócio perde sua necessidade e passa a ser efêmero, sendo rapidamente substituído por concorrentes que, mais do que conquistar o bolso do cliente, conseguirão conquistar o coração deste cliente, fidelizando-o.

Analogamente, relações precarizadas com os fornecedores levam a descontinuidades na cadeia, sendo fundamental a preservação de uma equação econômica satisfatória para ambos. Da mesma forma, os colaboradores que não forem contemplados em ambientes mais acolhedores, inclusivos e que não sejam justamente remunerados, tendem a deixar a companhia na primeira oportunidade ou sequer se sentirão atraídos para nela trabalharem. Atrair e reter talentos é fundamental para a prosperidade financeira de um negócio, uma vez que as pessoas jurídicas são, em essência, um conjunto organizado de pessoas físicas.

Os “profetas do atraso” atacam o conceito ESG sem, de fato, compreendê-lo. Exatamente o mesmo equívoco cometido pelo aclamado professor Aswath Damodaran que recentemente trouxe severas críticas ao ESG, inclusive comparando empresas que seguem tais princípios a igrejas (!!!). A falta total desta compreensão sobre os conceitos básicos do ESG deve servir de alerta: este debate precisa ser amplificado e qualificado sob o risco de a incompreensão do mesmo esvaziá-lo.

Empresas não são igrejas ou ONGs. “Fazer o bem” não é e nem deve ser o objetivo social das empresas. Responsabilidade é uma ferramenta e não um fim em si mesmo.

O respeito na interação com os múltiplos stakeholders (clientes, fornecedores, colaboradores, meio-ambiente, governo, competidores, mídia, comunidades etc.) contemplando-os no processo decisório é fundamental para o estabelecimento de relações duradouras e de parceria. Empresas precisam entender e se responsabilizar por suas externalidades. Trata-se de ética em seu senso mais fundamental.

ESG não é um produto, mas um processo. Assim, a busca de resultados econômicos positivos preservando a ética e transparência é fundamental, e são valores inegociáveis do ESG.

O acrônimo ESG leva os incautos a entenderem “as três letrinhas” como separadas, mas são indissociáveis. Não há responsabilidade social ou ambiental sem governança. Não há externalidade ambiental sem impacto social. Não há gestão que leve a resultados econômicos expressivos e duradouros sem processos consistentes e independentes. Não há processos consistentes e independentes que não considerem stakeholders.

O conceito de “capitalismo para Stakeholders” – que contrasta com o “capitalismo para shareholders”, foi elaborado ainda nos anos 60, protagonizado por Ed Freeman e Klaus Schwab. Nos anos 70 tomou corpo no US Business Round Table (1972) e em 2019 teve redefinida a “responsabilidade social dos negócios”, para além do acionista e sim para todos os stakeholders.

Uma empresa inserida no “capitalismo para shareholders” que olha exclusivamente para si própria, naturalmente não vê valor em seus respectivos stakeholders. A longo prazo, a tendência é prevalecer esta mesma lógica no sentido inverso: os stakeholders também não verão valor nesta empresa, esvaziando-a.

Na época de Friedman, o objetivo das empresas era ser a “maior ou melhor” empresa “do” mundo – uma visão ultrapassada em que se tirava proveito de pessoas e destruía o meio-ambiente a fim de atender o objetivo.

Tal visão tem sido substituída pela aspiração em ser a “melhor” empresa “para” o mundo que cuida e serve as pessoas protegendo nossos recursos naturais, dos quais todos nós dependemos para sobreviver. Inclusive, através disso, amplia-se o tamanho do mercado consumidor e seu poder de compra, em direto benefício econômico da própria companhia.

Em seu mais recente livro: “Empresas que curam”, Raj Sisodia – professor em Babson College e cofundador do Conscious Capitalism, nos lembra que “boa parte dos negócios está infligindo uma serie de sofrimentos como o psicológico às pessoas, o financeiro às empresas e o ambiental ao planeta. Não criamos negócios para de forma consciente ferir e agredir as pessoas e o planeta, mas se não assumirmos um papel de curar, estaremos automaticamente assumindo um papel de ferir e agredir”.

Convidamos os “profetas do atraso” a refletirem: qual a perspectiva econômica de uma empresa que opere nesta lógica?

 

Foto de Thaïs Helena Falcão/Olho do Falcão.

Hugo Bethlem, Chairman do ICCB (Instituto Capitalismo Consciente Brasil) e Chief Purpose Officer da BravoGRC