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A juventude árabe não acredita na democracia

Por Roberto Savio, da IPS – 

Roma, Itália, maio/2015 – Os resultados de uma recente pesquisa sobre o pensamento de 3.500 jovens entre 18 e 24 anos em todos os países árabes, menos a Síria, sobre a situação atual no Oriente Médio e na África do Norte, revelam que a grande maioria deles não confia na democracia.

A pesquisa também contribui para explicar porque tantos jovens se sentem atraídos pelo extremista Estado Islâmico (EI), que declara a guerra a todos os governos árabes, que define como corruptos e aliados do decadente Ocidente.

O estudo, feito pela empresa internacional de pesquisas PennSchoenBerland, não se focou em uma minoria, já que 60% da população árabe tem menos de 25 anos.

A palavra democracia não existe em árabe, é um conceito alheio à época em que o profeta Maomé fundou o Islã.

Porém, vale a pena assinalar que o conceito de democracia como se conhece hoje em dia também é relativamente recente no Ocidente. Embora suas origens remontem à Grécia antiga, só reapareceu com a Revolução Francesa.

A democracia se converteu em um valor aceito ao finalizar a Segunda Guerra Mundial e com o fim dos regimes nazista, japonês e, mais tarde do soviético. E, na verdade, ainda não é uma realidade em grande parte da Ásia (basta pensar em China e Coreia do Norte) e da África.

Depois existem governos como o da Hungria, onde o primeiro-ministro, Viktor Orbán, prega abertamente a favor de um estilo de regime autoritário semelhante ao do presidente russo, Vladimir Putin, e que compartilham algumas forças políticas de outros países, como a francesa Frente Nacional e a italiana Liga Norte.

Mas, poucos têm uma visão tão negativa da democracia quanto os jovens árabes. A pesquisa mostra que depois da emergência da Primavera Árabe em 2011, um esmagador 72% de jovens acreditavam que o mundo árabe havia melhorado. O número caiu para 70% em 2013, 54% em 2014 e agora está em apenas 38%.

Segundo a pesquisa, 39% dos jovens árabes entrevistados estão de acordo com a afirmação de que “a democracia não funcionará na região”, contra 36% que disseram que poderia funcionar e 25% expressam muitas dúvidas.

É evidente que a Primavera Árabe foi traída com o regresso do exército ao poder, como no Egito, ou pela sobrevivência da velha guarda no poder, custe o que custar, como na Síria sob o regime de Bashar al Assad.

A isto devemos somar que 41% dos jovens árabes estão desempregados.

Com estes dados, não é difícil entender que a frustração e o pessimismo estejam à flor da pele entre os jovens árabes, e que uma parte deles opte por simpatizar ou até mesmo aderir ao EI.

A ideia central do EI é criar um califato, como nos tempos de Maomé no século VII, onde a riqueza será distribuída entre todos, a dignidade do islam se reforçará e um mundo de pureza com uma visão teológica substituirá o mundo materialista atual.

O estudo mostra também algo extremamente importante. À pergunta “Qual é o maior obstáculo para o mundo árabe?”, 37% dos entrevistados indicaram a expansão do EI e 32% a ameaça do terrorismo. O problema do desemprego foi mencionado por 29% e o do conflito entre israelenses e palestinos por 23%.

A pesquisa inclui Irã, que não é um país árabe, mas muçulmano do ramo xiita. Já os sunitas são maioria em todos os países árabes, exceto no Iraque, Bahrein e, talvez, no Iêmen, onde os xiitas são maioria. A população islâmica mundial é de 1,6 bilhão de pessoas e os xiitas representam apenas 10% destes.

O dramático conflito atual ocorre dentro do Islã sunita. O wahabismo, uma variante nascida na Arábia Saudita e a religião oficial de sua casa reinante, se dividiu entre os que querem voltar à pureza dos primeiros tempos e os que são considerados “petrowahabistas”, porque se corromperam pela riqueza do petróleo e se caracterizam por aceitar o governo dos xeques.

A Arábia saudita dedica uma média de US$ 3 bilhões anuais para promover o wahabismo. Construiu mais de 1.500 mesquitas em todo o mundo, onde os pregadores radicais instigam os fieis a voltarem ao Islã puro e incorrupto.

O movimento wahabi começou a fugir do controle da Arábia Saudita com a insurgência de Osama Bin Laden, uma situação semelhante à do movimento radical Hamás, originalmente apoiado por Israel para enfraquecer a Organização para a Libertação da Palestina de Yasser Arafat. Posteriormente, o Hamás se voltou contra o Estado israelense.

A pesquisa também revela que os jovens sunitas veem o EI e o terrorismo como sua principal ameaça. Essa pesquisa é representativa de 200 milhões de pessoas com idades entre 18 e 24 anos.

Mas, se apenas um por cento deles, isto é, uma ínfima minoria, respondesse ao chamado da Jihad, isto se traduziria em um potencial de dois milhões de jovens. Embora se trate apenas de uma hipótese, está causando intensa e crescente preocupação.

A polarização no interior da confissão sunita se intui com o problema mais importante do futuro, mas este julgamento exclui os xiitas, pois seus seguidores não praticam o terrorismo.

Para os observadores externos e particularmente para Europa e Estados Unidos, esta situação deveria ser o mas claro exemplo de que o EI e o terrorismo são, antes de tudo, um problema interno do Islã.

Portanto, se deveria entender que uma intervenção externa neste âmbito apenas pode provocar o feito contraproducente de unificar o mundo árabe contra os invasores. Envolverde/IPS

* Roberto Savio, fundador da agência IPS e editor de Other News.