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As finanças crescem como um câncer

Roberto Savio. Foto: IPS
Roberto Savio. Foto: IPS

Por Roberto Savio*

Roma, Itália, junho/2015 – É assombroso como a cada semana são abertas ações judiciais em várias partes do mundo contra o setor financeiro por crimes de irregularidade, sem que se registre uma reação considerável por parte da opinião pública.

É surpreendente, porque isso acontece em meio a uma crise muito grave, com altos índices de desemprego, trabalho precário e aumento sem precedentes das desigualdades, o que em boa parte pode ser atribuído às finanças especulativas.

Tudo começou em 2008, com a crise hipotecária e o estouro da bolha dos derivados financeiros nos Estados Unidos, seguidos pela explosão da crise da dívida soberana na Europa. Calcula-se que será preciso esperar ao menos até 2020 para se regressar aos níveis econômicos existentes em 2008. Isso significa uma década perdida.

Para resgatar os bancos, o mundo gastou em conjunto cerca de US$ 4 trilhões subtraídos dos contribuintes. A título de exemplo, para resgatar o setor bancário, a Espanha destinou mais dinheiro do que o dedicado ao seu orçamento anual para educação e saúde. E a história continua.

No dia 20 de maio, cinco grandes bancos aceitaram pagar multa de US$ 5,7 bilhões às autoridades norte-americanas por suas manipulações no mercado de divisas. Os bancos são muito conhecidos: JP Morgan Chase e Citigroup, dos Estados Unidos, os britânicos Barclays e Royal Bank of Scotland, e o UBS, da Suíça.

No caso do UBS, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos adotou a incomum medida de anular um acordo de não acusação que havia pactado anteriormente, justificando que isso aconteceu devido aos reiterados escândalos do banco. “O UBS tem um prontuário que não pode ser ignorado”, disse a procuradora-geral adjunta, Leslie Caldwell.

Trata-se de um desvio significativo das diretrizes que o Departamento de Justiça emitiu em 2008, segundo as quais as consequências colaterais devem ser consideradas nas acusações das instituições financeiras.

“A consideração de consequências colaterais está concebida para enfrentar o risco de que uma acusação particular cause um dano desproporcional aos acionistas, titulares de pensões e empregados, que não são nem mesmo possíveis culpados”, pontuou Mark Filip, o funcionário do Departamento de Justiça que redigiu o memorando de 2008.

Sobre o caso da gigantesca companhia alemã de auditoria Arthur Andersen, que avaliou as falsificadas contas da corporação de energia Enron, que posteriormente se declarou falida, Filip disse que, “em última instância, a Arthur Andersen nunca foi condenada como culpada de nada, mas o simples fato de acusá-la a destruiu”.

Sob o revelador título de “muito grande para cair”, esta foi de fato uma garantia de impunidade que não escapou aos administradores do sistema financeiro.

No dia 11 de maio, Denise L. Cote, juiz do Tribunal Federal do distrito de Manhattan, condenou dois grandes bancos, o japonês Nomura Holdings e o britânico Royal Bank of Scotland, por fraudarem duas instituições públicas de hipotecas, conhecidas como FannieMae e Freddie Mac, mediante a venda de bônus hipotecários que continham inúmeros erros e tergiversações.

Esses bancos foram apenas dois dos 18 acusados de manipulação do mercado imobiliário. Os outros 16 chegaram a um acordo extrajudicial para pagamento de quase US$ 18 bilhões em sanções e assim evitaram que suas más ações fossem tornadas públicas.

Ambos rechaçaram um acordo semelhante e processaram o governo dos Estados Unidos, argumentando que foi a crise imobiliária que provocou o colapso dos bônus hipotecários. Porém, a juíza Cote sentenciou que foi precisamente o comportamento criminoso dos bancos que acentuaram a queda do mercado hipotecário.

Cabe destacar que, até agora, as multas acumuladas impostas desde 2008 pelo governo dos Estados Unidos a apenas cinco grandes bancos chegam a US$ 250 bilhões. Mas nenhum banqueiro foi para a cadeia, as multas foram pagas e o problema enterrado. Cabe perguntar se tudo isso se deve à má conduta de alguns administradores cheios de cobiça ou à nova “ética” do setor financeiro.

É necessário recordar que recentemente foi revelado que 25 administradores de fundos de cobertura (hedge funds) receberam no ano passado cerca de US$ 14 bilhões e que o gestor melhor remunerado entre eles levou a quantia astronômica de US$ 1,3 bilhão, equivalente à soma dos salários médios de 200 mil profissionais norte-americanos.

A respeitada Universidade Notre Dame divulgou, no dia 20 de maio, um informe alarmante, baseado em uma pesquisa com mais de 1.200 executivos de fundos de cobertura, bancos de investimento e outras áreas do negócio financeiro dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, na qual um terço dos que ganham mais de US$ 500 mil ao ano admitiu que “foi testemunha ou tem conhecimento direto sobre irregularidades em seu lugar de trabalho”.

Esse informe da universidade norte-americana inclusive afirma que “quase um em cada cinco entrevistados sentem que às vezes os profissionais de serviços financeiros devem se envolver em atividades pouco éticas ou ilegais para terem êxito em seu entorno financeiro atual”. A esse respeito, quase metade dos profissionais de alta renda entrevistados consideram que as autoridades são “ineficazes na detecção, investigação e julgamento de infrações relativas aos ganhos”.

Um quarto dos entrevistados afirmou que, se considerassem que não haveria nenhuma possibilidade de serem presos por tráfico de informação privilegiada para ganhar cerca de US$ 10 milhões, passariam essa informação. Quase um terço “acredita que as estruturas de remuneração ou planos de bonificação em vigor em suas empresas poderiam incentivar os empregados a quebrar a ética ou violar a lei”.

Também cabe assinalar que a maioria demonstra temor diante de seu empregador, que provavelmente optaria por “aplicar represálias contra os que informam sobre irregularidades em sua empresa”. Assim, o bônus dado a cada ano aos funcionários do setor financeiro equivale praticamente a um suborno pelo silêncio sobre a má conduta.

Os exemplos de Wall Street e da City de Londres serão cada vez mais comuns na medida em que se projetarem no sistema financeiro. Uma nova “ética” está se instaurando e se propagará se não for interrompida… e não é o que está acontecendo.

Uma nota final. Na mesma terceira semana de maio (quantas coisas aconteceram em tão curto espaço de tempo!), a norte-americana Comissão Federal de Comércio apresentou acusações contra quatro respeitadas associações norte-americanas dedicadas ao combate do câncer, por uso indevido de milhões de dólares doados.

Uma delas, o Fundo para o Câncer dos Estados Unidos, declarou que gastou 100% dos fundos arrecadados em cuidados médicos, transporte de pacientes para sessões de quimioterapia e compra de medicamentos para crianças. A Comissão descobriu que, na realidade, menos de 3% das doações foram destinadas aos pacientes com câncer.

A “nova ética” é, na realidade, um câncer de metástase muito rápida. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador da agência de notícias IPS e editor do boletim Other News.