Por Rafaela Brito*
Encíclica, ou Litterae Encyclicae, constitui um dos documentos pontifícios utilizados pelo Papa para tratar de assuntos diversos. A Carta Encíclica pode ter caráter social- como é o caso da Laudato Si- é dirigida aos Bispos de todo o mundo e, por meio deles, a todos os fiéis. Desta vez, a Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), com o subtítulo “Sobre o Cuidado da Casa Comum”, publicada e divulgada, em 18 de junho de 2015, pelo Papa Francisco, foi esperada, ansiosamente, por jornalistas, cientistas, estudiosos, céticos, políticos, cidadãos comuns, cristãos, líderes governamentais, de todo o mundo. Tornou-se, de fato, católica, que quer dizer, para todos ou universal.
Este é o primeiro documento escrito integralmente por Francisco, além de ser a primeira vez que um Papa aborda o tema da ecologia no sentido de uma ecologia integral, requerendo a abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põe em contato com a essência do ser humano. A ecologia integral pressupõe a ecologia ambiental, ecologia político-social, a mental, a cultural, a educacional, a ética, a econômica, a da vida cotidiana, isto é, engloba a participação de todos, a partir de uma consciência compartilhada.
Como está a nossa “casa”? Existe uma mudança que “… é algo desejável, mas torna-se preocupante quando se transforma em deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade.” O trecho faz parte do ponto 18 da Encíclica e nos leva a repensar as problemáticas e os desafios de preservação e prevenção, aspectos da proteção à criação e questões como a fome no mundo, pobreza, globalização e escassez, apontados pelo documento, e como estamos transformando desordenadamente a Terra, casa de todos.
A desigualdade planetária faz com que aumente o número de excluídos e esquecidos. Sem o contato físico com as situações reais e concretas, não conseguimos oferecer soluções compatíveis com o diagnóstico in loco, sendo que “a desigualdade não afeta apenas os indivíduos, mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais. Com efeito, há uma verdadeira «dívida ecológica», particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais realizado historicamente por alguns países”, como afirma o ponto 51 do documento papal.
A Laudato Si nos leva a refletir sobre a importância ímpar como se apresenta, porque reforça a ideia de que o meio ambiente é um bem comum, uma herança coletiva de toda a humanidade, e temos todos as mesmas reponsabilidades para torná-lo melhor. Essa reflexão me lembra o que a doutrinadora leiga Chiara Lubich escreveu: “(…) Se a fraternidade universal for vivida os reflexos na sociedade logo serão evidentes. E um deles deverá ser uma estima recíproca entre os Estados e os povos. E isto é algo inusitado. De fato, estamos habituados a ver acentuadas as fronteiras entre povo e povo; a temer a potência dos outros. No máximo se fazem alianças, em benefício próprio. Mas dificilmente se pensa em agir unicamente por amor a outro povo – já que a moral popular jamais atingiu este ponto. Mas quando os indivíduos amarem efetivamente os seus próximos, brancos ou negros, vermelhos ou amarelos, como a si mesmos, será fácil transplantar esta lei entre Estado e Estado. (…)”.
A encíclica pode e deve servir de instrumento educativo, guiando todas as pessoas de boa vontade a romperem com o antigo e ultrapassado paradigma que isola os problemas e procura soluções para cada um deles, sem se preocupar com os ecossistemas diferentes. Encoraja a busca pelo novo paradigma de visão inclusiva e integral, por meio de iniciativas ousadas e urgentes, como uma petição, endereçada aos Chefes de Estado e de Governo dos países participantes da XXI Conferência Internacional sobre a Mudança do Clima, que acontecerá em Paris, de 30 de novembro a 15 de dezembro de 2015. A petição diz respeito à “ecologia integral” e pede compromissos concretos pela redução decisiva da poluição, como um ato de responsabilidade com as futuras gerações.
O Papa afirma que, nas condições atuais da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres. Nos convida a assumir compromissos para descobrir o valor de cada coisa, a contemplá-la com encanto, a reconhecer que estamos profundamente unidos.
A publicação da encíclica papal demonstra a grande sabedoria, coragem e liderança que Francisco tem desenvolvido ao longo do seu pontificado, mostrando, por exemplo, como as alterações climáticas têm implicações morais e éticas de importância vital. Como venho defendendo há algum tempo, o princípio da fraternidade é o vetor, o guia a ser seguido para a aplicação do princípio da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável. É o amor mútuo, o socorro entre os próprios indivíduos da sociedade que proporcionará a aplicabilidade de um ambiente ecologicamente equilibrado e harmônico.
A interdependência que caracteriza a comunidade internacional está ligada ao conceito de governança ambiental que é dado a cada Estado e aos indivíduos que dele fazem parte. Aplicar os princípios de fraternidade e de solidariedade, com ou sem o apoio estatal, por meio da educação ambiental, ou projetos e programas coletivos, fraternos, de amor mútuo, por moralidade e ética, com vistas à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais, torna-se fundamental para a aplicabilidade da Encíclica, de cunho comunitário, universalista e fraterno. (Plurale/ #Envolverde)
* Rafaela Brito ([email protected] ) é colunista colaboradora de Plurale. Advogada, em Brasília e em Fortaleza, sócia do escritório Carvalho, Moreira & Brito Advogados Associados. Mestranda em Estudos Ambientais pela UCES, em Buenos Aires. Especialista em Direito Ambiental pela Facinter. Especialista em Direito Internacional pela UNIFOR. Membro da Comissão de Direito Ambiental, de Direitos Humanos e de Direito Internacional da OAB-CE. Palestrante e estudos realizados na Alemanha, Argentina, Estados Unidos, Irlanda, Itália e Reino Unido. Membro da delegação de Humanidade Nova das Nações Unidas para participar da Rio + 20.
** Publicado originalmente na edição 47 de Plurale.