Enquanto o mundo dimensiona os desafios pela frente, o Brasil mergulha na irresponsabilidade ambiental, sem precedentes
O dia 5 de junho é consagrado, mundialmente, como o Dia do Meio Ambiente. Isto porque, em 1972, nessa data, em Estocolmo (Suécia), teve início a primeira reunião internacional sobre o meio ambiente. Vinte anos depois, em 1992, no Rio de Janeiro, chefes de Estado subscreveram as convenções sobre a mudança do clima e sobre a proteção da biodiversidade. Nesta mesma conferência, a Eco-92, o mundo avançou na solução do dilema entre conservação e desenvolvimento por meio da formulação dos princípios do desenvolvimento sustentável.
Embora a crise ambiental e climática tenha se agravado dramaticamente nas últimas décadas, passando da condição de ameaça ao futuro para a de desafio ao presente, o seu enfrentamento deixou de ser uma preocupação apenas de ativistas e alcançou as sociedades em geral, ainda que de forma difusa, compartilhado por autoridades e instituições públicas, igrejas, universidades, empresas, meios de comunicação, artistas, outras personalidades e movimentos sociais urbanos e rurais.
Não é diferente a situação do meio ambiente no Brasil. Problemas graves se acumulam: metade dos municípios não possui plano de saneamento e 100 milhões de pessoas não dispõem de tratamento de esgoto; 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e crises hídricas deixaram de ser um fenômeno nordestino para assolar diversas regiões do país, nosso consumo de diesel segue crescendo a cada ano e o lixo de espalha pelas cidades, estradas, rios e litoral com a produção diária em torno de 255.000 toneladas; 18,6% da floresta amazônica foram derrubados e outros 1,5 milhão de hectares são degradados anualmente.
Porém, ao mesmo tempo, houve um aumento sem precedentes da consciência (ainda que difusa) da sociedade brasileira sobre a crise ambiental e climática, como atestam diversas pesquisas de opinião. Instituições públicas e privadas se organizaram para promover o controle sobre atividades potencialmente danosas ao meio ambiente, a Constituição derivou um abrangente aparato legal e vitórias importantes foram conquistadas, como a redução da poluição atmosférica em municípios como Cubatão (SP), a criação de parques e reservas extrativistas em vários biomas e a redução do desmatamento na Amazônia entre 2006 e 2012, com o maior corte de emissões de gases estufa de que se tem notícia.
Desde a Eco 92 o Brasil se destaca como referência mundial quando se trata do meio ambiente. É o maior detentor de biodiversidade, associada à diversidade étnica e cultural. É reconhecida a importância da Amazônia na regulação da temperatura e dos regimes de chuvas. O país se destaca nas negociações internacionais, liderou a defesa de instrumentos de repartição de benefícios decorrentes do acesso à biodiversidade e foi o primeiro, entre os países em desenvolvimento, a assumir uma meta nacional de redução de emissões.
No entanto, as conquistas institucionais dos últimos 30 anos estão sendo afetadas por políticas e por reformas legais que fragilizam — em vez de fortalecer— a defesa do meio ambiente. O presidente Jair Bolsonaro pretendeu extinguir o Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas acabou por mantê-lo, embora diminuído. O órgão perdeu competências fundamentais, como as para o enfrentamento da mudança climática e o combate ao desmatamento, bem como estruturas inteiras, como o Serviço Florestal Brasileiro, que passou a integrar o Ministério da Agricultura.
Ricardo Salles foi nomeado ministro, mesmo estando condenado por improbidade administrativa devido à forja de informações para licenciar atividades minerárias. Ocorre que o próprio presidente se assume como garimpeiro, além de ter determinado a exoneração de um fiscal do ICMBio que o havia multado por pescar ilegalmente dentro de unidade de conservação. O discurso de aparência rígida com que o presidente aborda os crimes de corrupção não se aplica —muito pelo contrário— a outros crimes, como os que lesam o meio ambiente.
Numa sequência de retrocessos, o MMA afrouxou a fiscalização ambiental, reduzindo o Orçamento para operações em campo e a lavra de multas. Ato contínuo, uma nova febre de invasões de garimpeiros, madeireiros e grileiros acomete áreas protegidas em diversas partes da Amazônia. O desmatamento acelera sua curva ascendente. O Governo promete licenciamentos expressos, mesmo que carentes de fundamentos técnicos, para obras e atividades potencialmente impactantes, assim como a revisão, para pior, da respectiva legislação, mesmo diante de gigantescos desastres socioambientais ocorridos recentemente em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Persegue funcionários, levanta suspeitas, genéricas e infundadas, sobre organizações ambientalistas, ameaça rever e reduzir unidades de conservação ambiental.
A participação da sociedade civil organizada e dos Governos estaduais e municipais também reduziu neste Governo com as mudanças na composição e funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente. E, com aproximadamente 12% das reservas de água doce do planeta, o Governo acaba com o conceito de uso múltiplo dos recursos hídricos ao transferir a Agência Nacional de Águas (ANA) para uma esfera que administra irrigação e saneamento, ou seja, deixa a gestão das águas subordinada a esses dois grandes usuários.
Neste 2019, enquanto o mundo dimensiona os desafios ainda por enfrentar, o Brasil, na contramão da história, mergulha na mediocridade política e na irresponsabilidade ambiental, sem precedentes. O que nos sobra é a perspectiva de resistência da sociedade diante da deterioração das políticas socioambientais, condição fundamental para limitá-la e revertê-la.
MÁRCIO SANTILLI É SÓCIO FUNDADOR DO INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA), EX-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) E EX-DEPUTADO FEDERAL (PMDB-SP, 1983-1986).
Texto publicado originalmente no El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/04/opinion/1559682842_261908.html