Por Washington Novaes –
Por mais que se queira, a cada dia é mais difícil de fugir dos temas relacionados a mudanças climáticas. A agência espacial norte-americana (Nasa) está dizendo que o mês de junho último “foi o mais quente dos registros históricos” desde 1880. O ano passado já teve temperatura média 0,69 grau acima da média do século 20 e este ano pode quebrar o recorde de temperatura (Estado, 21/7). Novo estudo de pesquisadores do Nepal, França e Holanda revela que as geleiras na região do Everest, no Himalaia, podem diminuir de volume pelo menos em 70% até o fim do século (elas já se reduziram em 13% nos últimos 50 anos).
Em meio a essas notícias, cerca de 2 mil cientistas de mais de cem países se reuniram em Paris entre 7 e 10 de julho para discutir “o nosso futuro comum sob as alterações climáticas”, com o objetivo maior de propor medidas para reduzir, entre 40% e 70% até 2050, as emissões de poluentes atmosféricos que contribuem para o aquecimento global.
E suas principais propostas foram de eliminar os subsídios a energias fósseis, que hoje chegam a US$ 550 bilhões anuais, e de fixar um preço para o carbono emitido em qualquer parte. Nada mais, nada menos, trata-se de enfrentar a resistência de algumas das forças econômicas mais poderosas, como as megaempresas de petróleo, gás e carvão e a indústria de veículos, entre outras. Mas, se nada for feito, a temperatura média do planeta pode aumentar entre 3,7° e 4,8° Celsius até o fim do século – com consequências que poderão ser catastróficas (ISA, 17/7).
Que fará o Brasil? Nossas autoridades da área do meio ambiente parecem não ter ainda chegado a termo com sua proposta final para a conferência do clima de dezembro, também em Paris, quando cada país deverá apresentar seus compromissos obrigatórios para essa área. Admitem que a proposta deverá ser diferente da defendida em 2009. E o País deverá propor a possibilidade de computar os efeitos benéficos de regeneração natural de florestas (só na Amazônia seriam 17 milhões de hectares de florestas secundárias crescendo e capturando carbono). Além disso, quer defender uma compensação pelo desmatamento reduzido até 2020. A proposta só deverá ser conhecida em outubro. Mas pretende-se analisar mais a intenção de reduzir as emissões nas áreas de energia e agropecuária, assim como a participação dos Estados e municípios no debate maior.
Em suas discussões com o presidente Barack Obama, no final de junho, a presidente Dilma Rousseff situou entre 28% e 33% a participação que as energias renováveis deverão ter na matriz energética nacional até 2030 e comprometeu-se a restaurar florestas (Folhapress, 1/7). Há cientistas, como o professor José A. Marengo, do Inpe e da Convenção do Clima, que acham as negociações na área brasileira muito influenciadas pelas posições de diplomatas do Itamaraty, quando o ideal seria “termos cientistas e diplomatas trabalhando juntos” (Ecológico, junho de 2015).
Estudos de cientistas na publicação Nature Climate Change dizem que a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau neste século “não está totalmente fora do alcance”, mas “as possibilidades são remotas e os custos, elevados” (Observatório do Clima, 28/5), com muitas exigências nas áreas de energia e de transportes, principalmente, além de criar preço para as emissões de carbono a ser pago pelos emitentes. E isso exigiria a implantação de tecnologias de baixo carbono.
O professor Ronaldo Serôa da Motta, da UERJ, tem afirmado que a tendência é de que o panorama atual de crise leve os países a assinarem em Paris um “acordo gradualista, com metas pouco ambiciosas até 2030” (Amazonia.org, junho de 2015). Um dos pontos mais difíceis seria estabelecer metas diferenciadas entre os países, proporcionais a suas emissões históricas e atuais. E adaptá-las ao que vem pela frente com o crescimento das emissões dos países emergentes, principalmente China, Índia e Brasil. “A principal questão”, diz ele, “é fazer com que a China e os Estados Unidos aceitem qualquer meta; se eles aceitarem, o acordo sai, porque o mundo rateia o resto”.
A preocupação da sociedade brasileira parece forte diante da lentidão no ritmo oficial de negociações. Pesquisa do Greenpeace e do Observatório do Clima mostra que 95% dos brasileiros acham que as mudanças climáticas já afetam o País, embora 48% entendam que “o governo federal faz menos do que deveria para enfrentar o problema” – e entendem que as mudanças no clima “têm relação com a crise hídrica e a crise energética”.
Têm razão. Texto do livro Urbanização e desastres naturais, de Lucí Hidalgo Nunes (comunitexto.com, 4/7), relaciona os 20 desastres naturais na América do Sul que causaram mais mortes (quase 150 mil) entre 1960 e 2009. São, principalmente, inundações, movimentos de massa úmida ou seca, tempestades e epidemias – que podem estar relacionados com o clima. Outro estudo, da professora Patrícia Pinho, da USP, mostra que a bacia amazônica “experimentou um aumento na variabilidade interanual principalmente no que se refere ao início e fim do período de chuvas”. Um dos ângulos estudados é a relação com El Niño e La Niña: “Há um aumento dos extremos hidrológicos na região”. Pode ser até na mortalidade de peixes e nas plantações.
Notícias recentes confirmam: o tambaqui e o cardinal diminuirão nos próximos tempos, segundo o Inpa (amazonia.org, 21/7), por causa do “impacto de mudanças climáticas”. E parece irreversível o fim da tão louvada pororoca, no encontro das águas do Rio Araguari, no Amapá, com o oceano. Reservatórios de três hidrelétricas, abertura de canais para irrigação de lavouras – que influem no clima e na água – e pastagens passaram a drenar águas do rio. E não haverá mais pororocas. Quem se preocupou?
Mas, como tem dito o cientista Paulo Nobre, do Inpe (Estado, 21/7), “falta de água já é uma questão de segurança pública”. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista/ e-mail: [email protected].
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.