Diversos

O impacto profundo do marketing sobre a delicadeza do amor

quem

por Maria Helena Masquetti*

Pergunte-se de pronto a um jovem: “Quem é você?” e a resposta, na maioria das vezes, vem pronta: “Bem, eu gosto de videogame, adoro dançar, ir ao shopping, faço musculação, tenho muitos amigos no face, torço para o time tal..”. Refaça-se então a pergunta: “Quem é você e não o que você faz ou possui” e, com raras exceções, a resposta será um silêncio confuso. Como pode um jovem, nesse cenário atual, saber realmente quem é e reconhecer seus genuínos desejos quando o marketing já desejou por ele, muitas vezes antes que aprendesse a falar?

Meu filho, não fale com estranhos!” Do conselho ingênuo de outrora muito pouco restou. Paira agora nas ruas e na privacidade de nossas crianças e jovens uma onipresença de estranhos que, a todo momento, as assedia para comprar, pensar ou agir de algum modo ou as induzem concretamente ao erro, fazendo se passar por amigos nas salas de bate-papo e outros meios interativos. Isto sem falar nas muitas celebridades que, ao vivo e em cores, tanto deturpam-lhes a educação como chegam a confessar atos repudiáveis com a pretensão hedionda de fazer rir suas platéias.

Elencadas pela colunista Carol Wojtyla** (que tem nome de papa, mas não perdoa os pecados da massificação), as distorções do amor próprio ganham status de normalidade: pré-adolescentes revelando-se defasados em seus grupos por não terem ainda um relacionamento sexual; meninas aceitando sofrer violências físicas por parte de parceiros – quase crianças também – em nome de concepções estúpidas sobre prazer sexual, além de jovens que se deprimem por não terem recebido um número idealizado de likes para as selfies que postaram nas redes sociais.

Perdidos num bombardeio diário de conceitos equivocados e tomando por legítimos os conselhos de especialistas em coisa nenhuma, jovens mal saídos das fraldas dão-se por preparados para ter sucesso no amor. Ouvir, por exemplo, entre eles, que o segredo para cativar um parceiro amoroso é esperar que este se mostre apaixonado para, estrategicamente nesse momento, revelar-lhe que “não está mais tão fim” é de levar às lágrimas pela morte do sentido pleno do amor e da delicadeza que envolve tudo o que é motivado por ele.

Olhando esse cruel panorama, nos damos conta do quanto, no decorrer do tempo, o marketing foi longe demais e do quanto, acuados por ele, os pais e toda a sociedade reagiram de menos, sem prever que a avidez pelo lucro jamais teria limites e que sua fonte maior de alimento estaria justamente no vazio de afetos. Quem se distanciou de seus vínculos ternos, se vincula a objetos. Quem não sabe quem é, consome fórmulas prontas. Quem se acredita inferior na aparência, se torna refém da ditadura da moda e dos artifícios da estética, e quem não reconhece seus próprios recursos, multiplica os lucros da indústria farmacêutica ao lutar contra depressões e angústias que em nada combinam com a alegria da juventude.

Para nossa sorte, no entanto, a pressão do ter para ser não substitui a segurança do amor. E aí está nossa chance. Por mais que, para alguns, a oportunidade de agir com firmeza pareça já ter passado, sempre é tempo de abraçar nossos filhos, ajudá-los a descobrir quem realmente são, falar-lhes com autoridade e ternura, fazendo-os sentir o gosto, o cheiro e a maciez do contato sincero.

Não fosse o amor mais forte que o aço dos corações corrompidos pela ganância, a raça humana há muito estaria extinta. Se queremos resgatar nossas crianças com vida e desejos próprios, temos que rugir para o marketing como leões e leoas, salvaguardando para elas o direito de dizerem ao mundo a que vieram e não o que a manipulação comercial determinou que elas digam. (Envolverde)

**site Festival Marginal
(*) Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.