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Sínodo da Amazônia: O que as comunidades tem a dizer sobre política?

por Samyra Crespo, especial para a Envolverde –

Ser cristão já foi extremamente perigoso. A vida nas catacumbas, as cenas épicas de leões devorando cristãos nas arenas de Roma, atestam que antes de Constantino consagrar a Cristandade na Europa Ocidental e Oriental, a fé era resistência e não poder. Como sabemos a Igreja-Instituição andou de mãos dadas com o Estado até o advento da Revolução Francesa e da emergência do laicismo.

O laicismo se impôs com as doutrinas das repúblicas e do iluminismo. A separação entre os poderes foi conquista civilizatória na configuração social e politica que conhecemos como Ocidente.

E vivemos nele. Respiramos nele, isso que chamamos de Ocidente. Onde as comunidades de fé não devem se confundir com o poder politico. Em tese. Até a pagina 2.

Pois uma constatação é fácil: em nenhuma sociedade ou lugar do mundo foi ou é fácil discordar de uma ideologia dominante, religiosa ou não.

Sob a tese de que a religião era “o ópio do povo” , os regimes socialistas atacaram as igrejas, desnudaram os templos de suas imagens ou símbolos. Mas endeusaram Lênin, Stalin e Mao e fizeram deles a nova religião.

Tanto à direita quanto à esquerda a dimensão espiritual foi duramente atacada. Negada ou transformada em moralismo vitoriano, retrógrado. Em hegemonia de uma religião sobre a outra.

No presente século soa extemporâneo ser religioso na vida pública. Na esfera pública cai bem falar de ciência e esta é chamada para falar de tudo: do ponto G ao DNA da minhoca. De todas as engenhocas da vida e dos mistérios do Universo.

Tornou-se a religião laica e a única fonte de verdade legitimada nos debates da Polis.

Mais ou menos. Na prática, as crenças agem por debaixo dos panos, nas bancadas religiosas eleitas para o Congresso.

A fé se tornou definitivamente envergonhada, condenada à vida privada, tipo acredite no que quiser mas não me venha falar de Deus, de Ser Supremo, de Iluminados e coisa e tal.

Mas como explicar o crescente poder evangélico na politica?

Olho para a sociedade brasileira e vejo com clareza que essa suposta sociedade laica não existe. Talvez nunca tenha existido. Existem religiões e seus respectivos valores dominantes.

Não nos esqueçamos que até 1846 igrejas que não fossem cristãs não podiam edificar templos em nosso País. Os cultos afro brasileiros só conseguiram deixar de ser perseguidos pela polícia há pouco tempo.

Ha uma semana, vindo de Saquarema para o Rio de ônibus contei em menos de um quilômetro de percurso 11 templos evangélicos dos nomes mais curiosos: Ceifeiros dos Últimos Tempos, Igreja Internacional das Graças, Assembléia de Cristo dos Últimos Dias, e por aí vai: um colar de comunidades neopentecostais, baseadas em doutrinas bíblicas livremente interpretadas por pastores – sobre os quais passamos a saber alguma coisa porque da televisão passaram à condição de políticos influentes.

O fato é que nós – me incluo nesse grupo ou segmento social, ridicularizamos líderes religiosos que consideramos charlatães, vociferamos contra grupos que consideramos fanáticos e nos indignamos contra padres abusadores.
Mas vemos crescer entre nós – na vida publica sim senhor – valores conservadores, e censura à livre expressão e ao livre pensar? Ideologias messiânicas influenciando nosso alinhamento à Israel contra a Palestina.

É um cenário desconcertante e até mesmo assustador. Mas poucos se perguntam por que as pessoas estão tão sós, angustiadas e vazias? O que vão buscar nos bancos dos templos e na voz dos pastores?

Por que nós não temos as respostas que os comuns mortais – que têm medo mais do vazio e da falta de sentido do que do inferno – procuram?

Minha suspeita é que empurramos a dimensão espiritual para um não lugar. Assim como fizemos com a Natureza – a que negamos pertencer.

Não procuro culpados nem inocentes nessa reflexão.

Ando estupefata com a energia do medo que move as pessoas em nossos dias presentes.

Com o anúncio do Sínodo sobre a Amazônia – que não ocorrerá na Amazônia (por que não? Já se perguntaram?) Teremos a religião, a fé e a política de mãos dadas com um problema que aflige o mundo: o possível colapso das condições de vida sobre a Terra.

Como reagirão as diferentes comunidades de fé dentro e fora do nosso Pais?

Começo a pensar seriamente que ser da turma do Papa Francisco pode ser uma boa. E perigoso.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.

(#Envolverde)

(Este texto faz parte da série que escrevo para o site Envolverde/Carta Capital sobre meio ambiente no Brasil)