Ambiente

Os guerreiros do arco-íris e os office boys brasileiros

por Samyra Crespo – 

José Augusto Pádua era um professor jovem e tipo sedutor profissional, encantando homens e mulheres com a apresentação do ambientalismo, sua história e sua nova imaginação social. Citava Thoreau e falava de desobediência civil em um momento em que tudo o que queríamos era uma sociedade forte que pudesse fazer frente ao Estado – identificado ainda na primeira metade dos 90 como centralizador, autoritário e pouco transparente. Tinha escrito um pequeno livro na Coleção Primeiro Passos – da Editora Brasiliense – sobre ‘ecopolitica’ e num tempo sem internet pode-se dizer que o Pádua (seu irmão, um cientista, era então pouco conhecido) era pop. Uma pessoa adorável.
Ela dava aulas no Curso que eu coordenava e foi para nós um surpresa – e uma excitação – saber que ele acabava de ser contratado para ser coordenador das campanhas do GREENPEACE no Brasil. Da academia para a ação, era algo a ser apoiado e acompanhado. E nos enchia de admiração.

Por isso aceitei com entusiasmo a incumbência de conduzir uma pesquisa sobre o perfil dos apoiadores do Greenpeace no Brasil, quando fui chamada por sugestão do Pádua.

Tínhamos em nosso imaginário sobre a mais conhecida e bem sucedida organização ambientalista do mundo, uma expectativa heroica. Primeiro a independência, sem aceitar dinheiro de empresas ou governos. Depois suas técnicas de abordagem das baleeiras ilegais nos mares, as foquinhas coloridas com spray para impedir que os caçadores usassem sua pele. Seu navio mítico que aportava em vários portos do mundo, atraindo milhares de jovens. Mais de um milhão de voluntários espalhados pelos vários continentes. Era uma história verde, de sucesso, que incendiava e atraia a atenção, e que inaugurou no vocabulário dos seus adversários a palavra ECOTERRORISMO. Palavra controversa com a qual não concordo de jeito nenhum.

O escritório ficava no Rio, na rua México, em três salinhas de um prédio decadente, perto da Embaixada Americana.
Lá encontrei um antropólogo que só entendia de índio e que dirigia o escritório e o lendário (agora) Paulo Adario que evidentemente não tinha a barba nem os cabelos brancos de hoje. Ele não havia se mudado ainda para a Amazônia nem aprendido a dirigir avião na selva. Morava em Santa Teresa, bairro boêmio, e era apenas um jovem marqueteiro cansado da propaganda manipuladora do mundo corporativo. Era simpático e animado.

Fui levada à sua salinha, onde num canto havia uma montanha de cartas. Eram os fãs do Greenpeace. Já brasileiros, a maioria, excitados com a chegada dos Guerreiros para salvar nossa Amazônia, para impedir a construção de Angra e sabe-se o que mais.

Olhei curiosa para o que seriam cerca de 4 mil correspondências amontoadas em caixas.

Resolvemos então, começar por uma amostragem de 400 cartas.

A organização tinha apenas 10 mil dólares para o trabalho. Dinheiro pouco mas suficiente para contratar assistentes de pesquisa sob a coordenação de Paulo Adario e eu faria a análise.

Aí ocorreu um episódio que se tornou anedótico para mim.

E antes que desconfiem dos meus ânimos em relação ao Greenpeace, quero dizer que fui vice-presidente do seu Conselho onde atuei por anos. E que se trata de uma organização que contribui de maneira decisiva com a causa, no meu modo de ver.

Voltemos no tempo. Separei dez cartas e começamos a abri-las. A primeira continha uma nota de 20 dólares e era de um americano desejando sucesso à turma brasileira. A segunda era de um office-boy paulista colocando-se à disposição para militar e ser voluntário.

Anos depois, com o escritório já funcionando em São Paulo, um exército de offce-boys atuava como cyber-ativistas nas lanhouses da vida. Mas esta é uma outra história. Vale a pena ser conhecida pois até hoje, aquilo que se conhece no Brasil como ‘marketing de incentivo ‘ ou marketing social – se deve e muito às técnicas pioneiras dos Guerreiros do Arco-íris.

Mas voltemos, como já disse, às salinhas da rua México.

A terceira carta era de um carioca e dizia mais ou menos assim: olá, bem vindos ao Brasil, eu me chamo Jonas (nome fictício) e tenho 34 anos. Moro com a minha mãe em Copacabana e desde já coloco o meu quarto como um QG do Greenpeace. Um posto avançado. Topo ser voluntário e o que mais vocês considerarem útil. Fui do Hare Krishna, sou vegetariano e falo um pouco de inglês. Não tenho dinheiro para doar mas estou disposto a trabalhar e não tenho medo de ser preso. Estou pronto para ser treinado…E por aí seguia.

Naturalmente, essa carta virou uma anedota, e eu sempre brincava dizendo: o que vai ser do Greenpeace no Brasil com QGs de dropouts e um exército de offices-boys? Mas na garimpagem das cartas- que foram todas abertas afinal, achou-se mais de 400 dólares em moeda estrangeira e nacional.

Mas o tempo, e só ele domina o futuro – diria que o Greenpeace faria muita diferença e que suas técnicas investigativas até hoje são temidas por quem comete crimes ambientais. Com um perfil internacional e independente sempre despertou fascinio nas outras organizações.

Sobre o marketing de incentivo e o cyberativismo contarei depois.

No próximo post falarei das doações de empresas e famílias. E sobre a ‘nobilitação’ do dinheiro que financia o meio ambiente e as atividades filantrópicas no país.

Um mapa interessante sobre o financiamento da ‘sociedade civil’.

Este texto faz parte da série sobre o ambientalismo brasileiro que venho publicando, desde abril, no site Envolverde/Carta Capital

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.