Por José Goldemberg e Cristiane Lima Cortez –
O ano de 2015 tem sido marcado até agora por uma sucessão de crises ambientais – algumas previsíveis, outras não: escassez hídrica, apagões de energia, falta de coleta seletiva de resíduos urbanos, precariedade do saneamento básico e desmatamento, para citar algumas.
Muitos desses problemas já se encontram em estado de urgência, seja pela falta de recursos (e também pelo seu uso sem controle), seja pela falta de um planejamento (elaborado pelos órgãos responsáveis) que definisse prioridades.
Somente parte da população brasileira tem acesso ao saneamento básico. Estendê-lo a todos custaria cerca de 500 bilhões de reais ao Estado, logo, só poderia ser feito ao longo de muitos anos. Não há medidas mágicas que possam solucionar esse problema a curto/médio prazo.
Cabe lembrar que todos os municípios brasileiros devem ter planos de saneamento que contemplem serviços de abastecimento de água, tratamento de esgoto, manejo de resíduos sólidos urbanos e controle das inundações. Contudo, desde que a Lei Federal nº 11.445 de 2007 foi promulgada, o prazo para cumprimento dessa exigência já foi prorrogado por três vezes. Apenas um terço das cem maiores cidades do País possui tais planos. Se já é difícil garantir o planejamento de ações essenciais para a manutenção da qualidade do meio ambiente nos municípios, imagine colocar em prática, por exemplo, a erradicação dos lixões; a coleta seletiva; a captação e o tratamento de esgoto; a oferta de água com qualidade e em quantidade suficientes; e o controle de cheias e inundações.
As crises hídrica e energética, apesar de inesperadas, poderiam causar um impacto menor se medidas de prevenção e controle tivessem sido tomadas assim que elas deram os primeiros sinais.
A questão é: devemos agir antes que o problema se torne gigantesco, como a escassez hídrica. Não deveríamos ter esperado chegar ao período menos chuvoso dos últimos 80 anos para que as medidas de gestão da demanda e de uso racional da água fossem aplicadas. Ações simples – como tomar banhos mais curtos; fechar a torneira ao escovar os dentes e lavar a louça e a roupa; consertar vazamentos imediatamente; usar vassoura para limpar as calçadas; e reutilizar a água da chuva – já deveriam fazer parte do hábito das pessoas. Sim, é uma mudança cultural.
No caso da eletricidade, o governo federal, em vez de promover campanhas com foco no uso consciente da energia, contribuiu para o crescimento da crise ao reduzir as tarifas de luz em 2013, estimulando o uso de eletrodomésticos (geladeiras, aparelhos de ar condicionado, televisões etc.) para os quais criou subsídios e crédito facilitado. A solução adotada – gerar eletricidade com usinas térmicas para complementar a geração hidroelétrica – foi insuficiente, em razão da falta d’água, e acabou por aumentar significativamente o custo de eletricidade, sem falar no aumento da emissão de gases de efeito estufa.
Outro exemplo de ações desordenadas, que culminaram recentemente em um acordo, no mínimo inviável, entre a Associação Paulista de Supermercados (Apas) e o Procon, é o caso das sacolas plásticas na cidade de São Paulo. Não basta estabelecer leis e regulamentos, a mudança de comportamento é necessária, uma vez que a questão é muito mais séria. A não utilização das sacolas plásticas não deve estar condicionada a um bônus, mas à necessidade de compreender que não existe mais espaço para acúmulo de resíduos e desperdício, e que os desastres ambientais são, hoje, uma realidade.
Em uma época de ajustes fiscais, estagnação da economia e aumentos da inflação e do desemprego, gastar recursos com o meio ambiente parece um contrassenso. Pelo contrário: inúmeras oportunidades de geração de emprego e renda podem surgir a partir da coleta seletiva e da reciclagem de resíduos. O setor de serviços pode prosperar com a volta da prática do conserto e da manutenção de eletrodomésticos e roupas. Novas formas de geração de eletricidade descentralizada, como o caso da energia solar fotovoltaica, também podem alavancar importantes setores da economia.
A transformação cultural embasada em um planejamento sólido e consistente, como vimos, pode ser a principal (senão a única) resposta para todas as outras transformações, até mesmo para voltarmos a celebrar, com orgulho, o Dia Mundial do Meio Ambiente. (#Envolverde)
* José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP. Doutor em Física, foi presidente da SBPC e da Cesp, além de reitor da USP. Atuou como secretário das pastas de Ciência e Tecnologia de São Paulo e do Meio Ambiente da Presidência da República. Também foi ministro da Educação e professor da Universidade de Paris (França) e Princeton (Estados Unidos). Cristiane Cortez é assessora do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP. Integrante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Coordenadora do Grupo Técnico da Gestão da Demanda deste Comitê. Professora dos cursos de Engenharia da FAAP. Bacharel e Mestre em Engenharia Química. Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Energia (PPGE) da USP.