Diversos

Por que o agronegócio deve descartar corretamente seus resíduos?

Por José Leal*

A reciclagem e a gestão correta de resíduos são temas cada vez mais recorrentes com a emergência da discussão de ESG nas instituições. Entretanto, o Brasil recicla apenas 4% dos materiais de um montante de 27,7 milhões de toneladas produzidas, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). No agronegócio, a situação se agrava. Atualmente, as empresas do setor sofrem com a retração do preço dos produtos recicláveis, impactando toda a cadeia.

O ticket médio do metal caiu 66%, já o do plástico teve uma queda de 34% e o papelão despencou para 59%, segundo dados da empresa Infinity. Já de acordo com o relatório da Anguti Estatística, existe uma queda no preço de aparas em reais Brasil de junho do ano passado até maio deste ano. Lembrando que aparas nada mais é o nome dado para resíduos e sobras de papéis, podendo ser de papel ou papelão.

Com tantos dados fica claro que os produtores estão com dificuldade para se manter na cadeia de reciclagem, impossibilitando a venda dos materiais e prejudicando o setor, que possui potencial de crescimento. Com o cenário atual, é impossível não nos fazermos a pergunta: o que motiva o agro a descartar os resíduos corretamente?

Os motivos são inúmeros, mas para os produtores rurais trilharem esse caminho, o primeiro requisito é desenvolver a consciência ambiental. Não é raro e tem crescido ainda mais o número de agricultores que procuram destinar, de forma correta, os resíduos de suas fazendas. Essa primeira iniciativa pode vir de várias situações. Uma delas é o aspecto visual das fazendas. Propriedades cheias de resíduos incentivam os produtores a limpá-las de forma a diminuir o impacto ambiental.

Além disso, as certificações possuem um peso fundamental para iniciar a jornada rumo ao descarte correto. Um exemplo é a certificação ABR realizada pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA). Para obtê-la, os requisitos são o desempenho ambiental da propriedade, as boas práticas agrícolas, entre outras. Existe também a Better Cotton Initiative, instituição que fornece a certificação BCI visando um cultivo sustentável do algodão. Para controlar o produto, a instituição utiliza uma plataforma de transferência de créditos de um fornecedor para outro. Os participantes da cadeia têxtil podem se cadastrar e transferir os créditos assim que for emitida a nota fiscal de compra.

Ademais, existe o aspecto econômico. As propriedades rurais podem gerar receita por meio do material já que existe uma infinidade de resíduos que podem ser reciclados, sendo os principais plástico, ferro e papelão.

Um exemplo disso são os galões do adubo foliar. Antigamente, os produtores descartavam os galões juntamente com os galões de agro defensivos porque não sabiam que eles poderiam ser uma fonte de renda. Hoje temos observado na Infinity, empresa de gestão de resíduos do grupo J&F, que os agricultores entregam os galões de foliar e geram receita para as fazendas. Alguns produtores investem em melhorias para o bem-estar dos funcionários, como a criação de espaços de lazer nas propriedades e até mesmo em investimento educacional aos colaboradores e suas famílias.

Diversas empresas já realizam o trabalho focado em reciclagem no agronegócio. Atualmente, o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV) é um exemplo disso. O inpEV é uma entidade sem fins lucrativos que busca garantir a eficiência, a sustentabilidade e o engajamento permanente de todos os elos da cadeia agrícola. No ano passado, a instituição recolheu mais de 52 mil toneladas de resíduos.

Por meio do trabalho da inpEV, o Brasil se transformou em uma referência para a reciclagem de embalagens de agro defensivos agrícolas. No segundo lugar está a França, onde o índice de reaproveitamento é de 75%, seguida do Canadá e da Alemanha, com 70%, e do Japão, com 50%.

A entidade utiliza o sistema de logística reversa, isto é, um conjunto de procedimentos para recolher e dar encaminhamento pós-venda ou pós-consumo visando o reaproveitamento ou destinação correta de resíduos. Dessa forma, cada elo da cadeia produtiva tem uma responsabilidade. A lavagem, armazenagem e devolução cabe aos agricultores. Já as revendedoras e cooperativas providenciam e indicam o local de recebimento além de emitir comprovante de devolução. Por fim, a indústria tem o papel de retirar as embalagens das unidades de recebimento e dar correta destinação final.

Além das embalagens, as propriedades rurais já implementam internamente a reciclagem. Um bom exemplo é a Fazenda São José, localizada em Unaí, Minas Gerais. Por meio da parceria com a Infinity, a propriedade faz a gestão dos resíduos e recebe o pagamento pela reciclagem. Ao adotar essa prática, os produtores podem evitar enterrar ou queimar o lixo, que é ilegal e polui o ar, a água e o solo.

Apesar dos inúmeros avanços, é inegável que o setor ainda tem um longo caminho a percorrer. Dentre os desafios, está a conscientização. Os agricultores ainda necessitam aprender sobre a realização do descarte correto, quais materiais podem ou não ser descartados e qual a melhor forma. Porém, também é fundamental reconhecer que a cada dia cresce o número de produtores buscando inserir a reciclagem em suas propriedades.

Outro obstáculo é a própria cadeia de coleta de reciclagem. Neste momento, as fazendas são deixadas em segundo plano em detrimento aos grandes centros urbanos, sendo o principal problema o deslocamento de caminhões e de equipes por 100 ou até mesmo 200 quilômetros, em estradas com pouca ou nenhuma estrutura. Logo, fica claro que nos próximos anos a cadeia precisa se preparar para atender da melhor forma o mercado agro e suprir as necessidades.

Hoje, existem uma gama de empresas que já fornecem o descarte correto para as propriedades rurais. Entretanto, mais que uma obrigatoriedade instaurada por meio de uma lei, o agronegócio brasileiro necessita criar uma conscientização ambiental sobre a reciclagem dos resíduos nos próximos anos.

* José Leal é CEO da Infinity.