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Um pilar do neoliberalismo está balançando

Por Roberto Savio, da IPS – 

Roma, Itália, abril/2014 – O informe Perspectivas da economia mundial, publicado em abril pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), confirma que as consequências do colapso do sistema financeiro, que começou em 2008, continuam sendo graves. Este quadro se acentua pelo envelhecimento da população, não só na Europa, mas também na Ásia, a desaceleração da produtividade e o fraco investimento privado.

O crescimento médio anterior à crise financeira surgida em 2008 foi de aproximadamente 2,4%. Caiu para 1,3% entre 2008 e 2014, e agora se estima que ficará estabilizado em 1,6% até 2020, no que os economistas chamam de “a nova normalidade”. Em outras palavras, a “normalidade” agora é o alto desemprego, um crescimento anêmico e, obviamente, um clima político difícil.

Para os países emergentes o panorama não é muito melhor. A previsão é de que o crescimento potencial continue diminuindo, de uma média aproximada de 6,5% entre 2008 e 2014 para estimados 5,2% durante o período 2015-2020.

O caso da China é o melhor exemplo. Espera-se que o crescimento caia de uma média de 8,3% nos últimos 10 anos para cerca de 6,8%. A contração da China diminuiu drasticamente os preços das matérias-primas e em consequência prejudicou os países exportadores.

A crise é especialmente forte na América Latina. No Brasil, a queda das exportações contribuiu para piorar a grave crise do país e o aumento da já elevada impopularidade de sua presidente, Dilma Rousseff, devido à má gestão econômica e ao escândalo das revelações sobre a estendida corrupção na Petrobras, a semipública empresa petroleira.

Isso, certamente, abre uma reflexão fundamental. Desde Marx a Keynes, as teorias sobre a redistribuição da renda foram basicamente construídas no contexto de economias estáveis ou em expansão.

Os partidos progressistas foram capazes de obter seus êxitos durante ciclos de crescimento, mas não elaboraram em paralelo a teoria para aplicar em épocas de crise. Em tais situações costumam imitar as receitas da direita, em um giro que borra a própria identidade progressista e faz com que percam adesões no eleitorado.

A situação na Europa, analisada sob esta ótica, é um ensinamento. Todos os partidos xenófobos de extrema direita cresceram desde 2008, quando começou a crise recessiva, inclusive nos países nórdicos, considerados modelos de democracia.

No mesmo período, os partidos progressistas perderam peso e credibilidade. E agora que o FMI vê alguma melhora na economia europeia os partidos progressistas tradicionais não colhem os benefícios.

O FMI qualifica o atual momento econômico como “uma nova mediocridade”, que é uma definição mais franca do que “nova normalidade”. Prevê que nos próximos cinco anos enfrentaremos graves problemas nas políticas pública, com sustentabilidade fiscal e desemprego.

É um fato que os dados macroeconômicos são cada dia menos representativos e costumam ser utilizados para ocultar as realidades sociais. O melhor exemplo é a Grã-Bretanha, campeã do liberalismo, que a cada ano reduz o gasto público.

O governo britânico afirma que no último ano foram criados 600 mil novos postos de trabalho. Porém, a grande maioria dos novos trabalhos é de tempo parcial ou mal remunerado, e o emprego público está em seu nível mais baixo desde 1999. Um claro indicador é o número de pessoas que frequentam os restaurantes que oferecem refeições gratuitas aos indigentes. Na sexta economia do mundo, estes passaram de 20 mil antes da crise, há sete anos, para mais de um milhão no ano passado.

E algo semelhante acontece no resto da Europa, embora em menor medida nos países nórdicos.

Segundo o Escritório de Responsabilidade Orçamentária Britânico, a austeridade bloqueou o crescimento econômico em 1% entre 2011 e 2012. Mas, segundo Simon Wren-Lewis, da Universidade de Oxford, o número é, na realidade, 5%, equivalente a US$ 149 bilhões.

Em outras palavras, a austeridade fiscal reduz o crescimento, e isto cria um grande déficit que obriga a mais austeridade fiscal. É uma armadilha descrita em detalhe pelos economistas keynesianos, como os Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Paul Krugman.

Todos devem seguir a “ordem liberal” da Alemanha, que acredita que sua realidade deve ser a norma e os desvios devem ser castigados.

A novidade é que em sua análise sobre A distribuição da renda e seu papel na explicação da desigualdade o FMI, guardião fiscal que impôs em todo o Sul em desenvolvimento o consenso de Washington, basicamente uma fórmula de austeridade somada ao livre mercado a todo custo, com resultados trágicos, parece agora ter despertado.

O FMI faz uma objeção a um princípio fundamental da doutrina liberal. Afirma que a maior formação dos trabalhadores, os sindicatos representativos, e um gasto maior do Estado ajudam a reduzir a desigualdade nos países.

Enquanto a participação dos salários na renda nacional dos países do Grupo dos Sete, os mais industrializados, diminuiu em 12% nos últimos 30 anos, a desigualdade cresceu 25% nas mesmas três décadas. Isto não significa em absoluto que o FMI esteja se convertendo em uma organização progressista, mas mostra que um pilar importante do pensamento neoliberal está balançando.

Naturalmente os banqueiros, verdadeiros responsáveis pela crise mundial, conseguiram impunidade. Foram subtraídos mais de US$ 3 trilhões dos cidadãos de meio mundo para manter os bancos de pé. Os mais de US$ 140 bilhões em multas que os bancos pagaram desde o começo da crise dão a medida quantitativa de suas atividades ilegais e criminosas.

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que a crise financeira criou pelo menos 200 milhões de novos pobres, centenas de milhares de postos de trabalho precários e vários milhões de desempregados, especialmente jovens. Entretanto, ninguém foi responsabilizado. As prisões estão cheias de pessoas presas por roubos menores, que causaram um impacto social imensamente menor.

Por outro lado, em 2014, James Gorman, chefe do banco Morgan Stanley, recebeu US$ 22,5 milhões. O chefe do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, US$ 24 milhões; James Dimon, chefe do J. P. Morgan, US$ 20 milhões. O mais explorado de todos, Brian Moynihan, do Bank of America, recebeu míseros US$ 13 milhões. Ninguém detém o auge dos banqueiros. Envolverde/IPS

*Roberto Savio  é fundador da agência IPS e editor de Other News.