Por Márcia Lucena e Irina Cezar –
Está aberta a temporada das primárias para a escolha da candidatura democrata à presidência dos Estados Unidos em 2020. Mais mulheres estão buscando a indicação presidencial do partido do que nunca. Isso é bom, mas está longe de ser suficiente, já que homens brancos seguem ocupando o topo das pesquisas e lideram a arrecadação de recursos. Candidatas qualificadas como Kamala Harris, Elizabeth Warren, Kirsten Gillibrand e Amy Klobuchar fazem a sua parte, lançando seus nomes como pré candidatas. Se há união no partido por mais igualdade de gênero, talvez seja a hora de alguns de seus concorrentes homens encontrarem maneiras de as apoiar.
A cobertura inicial da campanha pela mídia já demonstra a dificuldade em desmantelar a profunda misoginia estrutural que as mulheres enfrentam. Uma novidade tão negativa quanto inaceitável também relacionada à misoginia, e que já se projeta à campanha do próximo ano, é o conflito aberto estabelecido por Donald Trump com o pequeno bloco de deputadas democratas conhecido como o “Esquadrão”. Suas integrantes, Ayanna Pressley, Ilhan Omar, Rashida Tlaib e Alexandria Ocasio-Cortez, foram alvo de declarações insultuosas com o agravante de tal atitude acrescentar elementos racistas e xenófobos.
O mundo se estarreceu quando o presidente Trump postou mensagens afirmando que as deputadas estreantes de ascendência estrangeira, entre as quais três nascidas nos EUA e uma da Somália (mas que vive naquele país desde a infância), deveriam voltar para os seus países “tomados pelo crime”.
Estudos realizados por Five Thirty Eight e a Northeastern University encontraram menos “menções na mídia” de candidatas do sexo feminino e também mais cobertura negativa do que suas contrapartes masculinas. Enquanto isso, Beto O’Rourke aparentemente merece vários perfis, um documentário da HBO sobre seu fracasso no Senado e uma sessão de fotos de Annie Leibovitz na Vanity Fair – enquanto Joe Biden recebe quase o dobro de tempo de fala nos debates em relação ao restante dos candidatos.
Um reconhecimento real do privilégio vai além da fala. Dada a sequência ininterrupta de presidentes masculinos e o que sabemos sobre as dificuldades sob os quais as candidatas concorrem – incluindo atenção obsessiva às suas vozes, seus corpos, suas roupas – vale a pena nos perguntarmos que atitudes os candidatos homens poderiam fazer.
Primeiro, eles poderiam fazer mais do que um aceno superficial às mulheres. Eles poderiam se recusar a dar entrevistas a organizações de notícias que praticam discriminação de gênero em suas coberturas de campanha e dizer “não, obrigado” às capas de revistas que, curiosamente, apresentam apenas candidatos do sexo masculino. Eles poderiam denunciar a atenção desproporcional que recebem, bem como a suposição de que eles são mais elegíveis em virtude de seu gênero, mas ao invés disso, apenas apontam o fato de que as mulheres que concorrem já ganharam várias eleições, escreveram muitos livros e têm larga experiência política – afirmações que não poderiam ser feitas universalmente sobre seus pares masculinos, inclusive.
Candidatos homens definitivamente deveriam parar de oferecer um aceno paternalista para as mulheres através da “oferta” de um lugar de vice-presidente. Nomear Stacey Abrams como sua companheira de chapa não resolveria os problemas de Joe Biden com as mulheres – especialmente se, como Abrams disse, esse não é um papel que ela deseja. Aliás, no Brasil em 2018, vimos essa situação se repetir por diversas vezes. Para ganhar o público feminino, candidatos à presidência lançaram em massa mulheres como vice. Mas em nenhum momento colocaram sua posição em aberto para que essas mulheres de fato exercessem o papel de liderança.
A atitude realmente radical para um candidato do sexo masculino tomar em 2020 seria abandonar a corrida, percebendo que a real equidade de gênero é alcançada somente quando os homens recusam ativamente os benefícios que recebem simplesmente por terem nascido homens.
Márcia Lucena, professora, mestre em serviço social, prefeita de Conde/PB
Irina Cezar, socióloga, mestra em administração pública e especialista em gênero
Fontes:
https://www.nytimes.com/interactive/2019/07/31/us/elections/debate-speaking-time.html