Por Washington Novaes*
Seguimos em busca de uma política eficiente de fontes renováveis, garantidoras do futuro.
Complicado país é o Brasil. A Eletropaulo afirma ser favorável ao enterramento da fiação elétrica na cidade de São Paulo – que tantos benefícios pode trazer –, mas ao mesmo tempo se levantam questões quanto à oneração das tarifas, pois os consumidores fora da capital também teriam de pagar pelo enterramento, que dobraria suas contas de luz sem eles terem os mesmos benefícios. Tudo isso está no âmbito da lei paulistana que determina o enterramento da fiação em 250 quilômetros lineares de fios por ano, ao custo de R$ 100 bilhões e “33 anos de obras”, como observou este jornal (22/10). A empresa tem 41 mil quilômetros de rede elétrica em toda a sua área de concessão, dos quais 3 mil em circuitos subterrâneos.
Enquanto isso, 21 organizações e redes da sociedade civil pediam ao presidente da República que vetasse o programa de estímulo às termoelétricas a carvão, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, inserido como artigo na Medida Provisória (MP) 735/2016, que regula privatizações no setor elétrico (Observatório do Clima/Instituto Socioambiental, 22/10). Não bastasse, a MP cria estímulos à “modernização do parque elétrico brasileiro movido a carvão mineral, para implantar novas usinas que entrem em operação entre 2023 e 2027”. Ou seja, o Congresso estimula novas usinas movidas a carvão, movendo-se na direção contrária à de quase todo o mundo, que está fechando usinas a carvão e proibindo novas – por causa de suas emissões de poluentes que afetam o clima global e prejudicam o ambiente dos usuários. Sem falar em descumprimento do acordo do clima de Paris, que o Brasil já assinou, para evitar que as usinas a carvão continuem a responder por 46% dos gases de efeito estufa emitidos por uso de energia no planeta.
No Brasil, essas emissões de gases-estufa no setor elétrico aumentaram nove vezes entre 1990 e 2014; só entre 2011 e 2014 mais do que dobraram (de 30,2 milhões para 82 milhões de toneladas de dióxido de carbono); as térmicas a carvão, sozinhas, contribuíram com 22% das emissões do setor elétrico nacional em 2014. Para cumprir a parte que lhe cabe no acordo climático global o Brasil não pode expandir as térmicas a óleo e carvão. E precisa, dizem as organizações civis, chegar a uma matriz energética 100% renovável em 2050 – quando a União Europeia já terá conseguido até banir veículos movidos a petróleo (independent.co.uk/news, 13/10).
Por aqui, no Ceará, por exemplo, ONGs movimentam-se para impedir que a Assembleia Legislativa aprove mensagem do Executivo que prevê a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o gás natural consumido por usinas termoelétricas instaladas no Estado. ONGs movimentam-se também para exigir o fim do investimento em combustíveis para a termoelétrica de Pecém (naofrackingbrasil.com, abril de 2016). Segundo o professor Alexandre Costa, da Universidade Estadual, “o Ceará já é o segundo maior produtor de gases do efeito estufa no Brasil” no setor de geração de eletricidade (só perde para o Rio de Janeiro).
Já a Petrobrás, que não teve êxito em sua tentativa de vender no mercado as suas térmicas, mudou a estratégia ao agrupar todas as unidades em uma única empresa, com capacidade instalada de 6.239 megawatts (Folha de S.Paulo, 27/9). Juntas, elas formam a sexta maior empresa em geração no setor elétrico.
É possível que o panorama no setor mude com a decisão do BNDES de não mais financiar usinas a óleo e carvão, grandes hidrelétricas e termoelétricas, ao mesmo tempo que aumenta de 70% para 80% os financiamentos para usinas solares (Estado, 3/10). Pela nova política, as áreas com maior presença do BNDES serão as de energia solar, eficiência energética e iluminação pública, com participação de até 80% dos itens financiáveis. Na energia solar, a participação no financiamento para geração passa de 70% para 80%; na eficiência energética continua em 80%; nas eólicas, na biomassa, na cogeração e em pequenas centrais hidrelétricas a participação poderá ser de 70%. Nas grandes hidrelétricas, a participação caiu de 70% para 50% (3/10). Térmicas a carvão e óleo combustível “não serão apoiadas”. No setor de distribuição de energia a participação do banco foi mantida em até 50%.
O setor do carvão protestou por intermédio do presidente de sua associação, lembrando que o Brasil tem 13 usinas a carvão em operação, com 3.389 MW de potência (2,4% de toda a potência elétrica no País). Já o ministro Sarney Filho, do Meio Ambiente, “comemorou” a decisão do BNDES que dá prioridade ao financiamento de energias alternativas e à suspensão do crédito para usinas a carvão e óleo combustível (MMA.gov.br, 6/10). Projetos de fontes renováveis de geração de energia poderão ter financiamento de até 80% e juros mais baixos.
Outra derrota das termoelétricas no segundo semestre se deu com a decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região que, depois de três anos, concedeu a 250 geradores de energia elétrica o fim da obrigação de pagar uma taxa para financiar o uso de termoelétricas (Eco-finanças, 13/6); a obrigação agora ficou restrita aos consumidores finais, que deverão pagar toda a conta (entre 2013 e fevereiro de 2016, ela atingiu R$ 16,5 bilhões).
E chega-se a este final de outubro com mais uma polêmica, diante da decisão de duas das maiores térmicas a carvão no País – Pecém I e II, que operam no Ceará – de comunicar à Agência Nacional de Energia Elétrica (Estado, 19/10) que não terão condições de continuar em funcionamento caso o preço da energia que vendem não seja reajustado para acompanhar a alta do preço da água no Estado.
É em meio a esse imbróglio permanente que seguimos no País em busca de uma política adequada, eficiente, de fontes renováveis, garantidoras do futuro. Não basta ter dois pra lá, dois pra cá. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: [email protected]).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.