Forma como empresas incorporam custos externos é fundamental para seu valor no pós-COP
Por Roberto S. Waack, especial para o OC –
A mudança climática tem sido um dos principais temas tratados pela academia, pelos meios de comunicação, por ONGs, governos e empresários. Não poderia ser diferente. As evidencias são irrefutáveis. Esta mobilização tem alavancado um outro conceito importante: o das externalidades. Trata-se de “efeitos indiretos, negativos ou positivos, da produção de bens ou serviços, e que são transferidos a indivíduos e ou a entidades não envolvidas no processo produtivo”, segundo a definição apresentada em Environmental Markets: a New Asset Class, do CFA Institute. Essa instituição reúne profissionais da área de investimentos e é uma das mais renomadas entidades do universo financeiro, indicando que o tema deixou, há um bom tempo, de se limitar ao mundo das ONGs. Identificar, qualificar, quantificar e, se possível, monetizar externalidades passam a ser desafios com que o mundo empresarial se depara.
Proliferam as tentativas de quantificação e valoração dos ativos naturais. “O valor de tudo que a natureza oferece sem cobrar ao ser humano é estimado em US$ 124,8 trilhões por ano, o que corresponde, aproximadamente, ao dobro do PIB mundial”, relata Robert Costanza, da Australian National University. O CFA aponta que 40% das mortes no mundo são resultantes de fatores ambientais, incluindo efeitos secundários da degradação ambiental e disseminação de enfermidades. O PRI (Principle of Responsible Investments) estima que o custo anual de danos ambientais causados pela atividade humana chegue a US$ 6,6 trilhões, ou 11% do PIB mundial, e que um terço desse custo é de responsabilidade das 3.000 maiores empresas listadas do planeta. Várias organizações se dedicam a essa busca por valores, com números variadíssimos e muitas vezes divergentes, sinalizando que o estágio atual é menos a procura por precisão e mais a construção de metodologias. Além disso apontam responsabilidades, o que invariavelmente afetam o valor econômico de empresas.
O desenvolvimento do tema segue seu curso, entre sofisticadas metodologias para identificação e relato de externalidades juntamente com um interessante debate sobre quem deve pagar a conta. Afinal, como embutir nos custos de um produto eventuais danos causados pela sua produção? Tema altamente complexo e controverso. Pode-se partir do princípio de que todas as externalidades são monetizáveis? A ativista Jutta Kill publicou recentemente o livro Economic Valuation of Nature, questionando veementemente a monetização de externalidades como alternativa para que seu valor seja considerado pela sociedade: “Calcular o valor econômico não é o mesmo que colocar uma etiqueta de preço na natureza”.
Um dos principais líderes desse debate, Pavan Sukhdev, argumenta que a invisibilidade econômica da natureza precisa terminar. “Usamos a natureza, porque ela tem valor, mas perdemos a natureza porque ela não tem preço. Atualmente ninguém paga pelos serviços ecossistêmicos. Ao mesmo tempo, faltam incentivos aos que fazem as coisas direito (…) É preciso criar um mercado”. Em contraposição, Geoffrey Heal argumenta que, “se a nossa preocupação é conservar os serviços ecossistêmicos, a valoração é amplamente irrelevante… Valoração não é nem necessária, nem suficiente para conservação. Nós conservamos muito do que não valorizamos, e não conservamos o que valorizamos”. Esse debate se dá especialmente em torno do pagamento por serviços ambientais, num caloroso debate previsto para a COP Paris.
Entre as alternativas para tratar economicamente os impactos ambientais, cresce a emissão dos chamados Títulos Verdes. Em 2013 foram lançados US$ 11 bilhões desses instrumentos financeiros e no primeiro semestre de 2014, US$ 18,3 bilhões. Um mercado que vem crescendo 60% ao ano. Outra tendência referente à gestão pública das externalidades são os instrumentos tributários, com incentivos para as positivas (por exemplo, reciclagem de lixo) e punição às negativas (impostos sobre o carbono). Todas as grandes empresas de consultoria do mundo estão empenhadas nessa corrida, reforçando a evidente relevância do tema e indicando que o mundo da contabilidade já entende a valoração socioambiental como uma necessidade.
Há crescentes convergências no debate sobre externalidades. A mais óbvia é o fato de que as empresas causam externalidades. Outra conclusão é que grande parte delas não são adequadamente consideradas pelas regulamentações e licenças para operações. Parece ser claro também que a sociedade está atenta e se instrumentaliza para identificar e medir esses impactos. Há um consenso crescente de que externalidades afetam o valor das empresas de diversas formas (passivos, riscos, custo, acesso ao capital), embora os sistemas vigentes de contabilidade, custeios e precificações não sejam suficientes para capturar seus impactos. Mas não só de convergências vive o tema. Há fortes divergências sobre se e como externalidades devem ser valoradas. Mais do que isso, há acirrada disputa sobre se a criação de um mercado de externalidades seria uma opção aceitável.
O futuro aponta para uma composição em que as externalidades deverão ser indicadas de modo transparente, verificadas, certificadas por mecanismos independentes com governanças de múltiplos atores afetando de forma ampla o valor das organizações (não só o econômico), medidas com métricas bem mais precisas que as atuais, com mercados estruturados para algumas categorias. Certamente nem todas serão monetizadas ou precificadas, mas terão seu valor reconhecido.
Esse estimulante desafio tem rebatimento claro na governança corporativa, ou mais precisamente como as empresas são governadas por seus acionistas e conselhos. É instigante perceber que, do campo da sustentabilidade, migra-se progressivamente para gestão de externalidades e para o campo da ética empresarial. Pode-se afirmar que ética tem um rebatimento claro na identidade da empresa, formatada por seus princípios e valores. Esses precisam ser claros e construídos à luz do impacto das ações da empresa na sociedade (externalidades). Acionistas devem definir modelos de negócios, apontar estratégias e monitorar as ações e impactos das empresas.
Parece haver consenso de que, acima de tudo, é a sociedade quem outorga licenças para operar, indo muitas vezes bem além das regulamentações. Ou seja, a ética empresarial tem cada vez maior exposição pública, com impactos claros em sua reputação, nas relações de confiança com fornecedores e clientes e nos custos de transação e de capital. Ativos intangíveis, como marca por exemplo, mas também os chamados capitais sociais, humanos, intelectuais e naturais contam cada vez mais no valor das empresa. Acionistas e conselhos precisam agir rápida e energicamente em casos de desvios. Em síntese, a ética empresarial e sua relação com as futuras gerações tem uma conexão direta com a forma como são gerenciadas as externalidades produzidas pela organização. (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Roberto Waack é presidente do Conselho da Amata e um dos coordenadores da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
** Publicado originalmente no site Observatório do Clima.