Por Maria Helena Masquetti*
Deve ser mesmo ruim ver amigos embarcando em uma instigante aventura de férias e ter que ficar para a próxima. Ou mesmo provar um vestido que nos caiu como uma luva e deixá-lo na vitrine à espera de outra que certamente ficará com ele. No entanto, desde a invenção do cartão de crédito e de seus atraentes parcelamentos, muitas frustrações assim têm sido cada vez mais evitadas, melhor dizendo, adiadas.
Tudo bem se a compra num momento de ímpeto for mesmo compensadora, mas geralmente não é. Cartões não são mágicos e a conta chega, sem um centavo de desconto e sem um minuto de tolerância após o vencimento. Assim, são muitos os casos em que as lembranças das tais férias perderiam a graça e o vestido mal serviria para encher o espelho de razões para nos recriminar.
Há mais de dois séculos, Freud, o conhecido pai da psicologia, já definia maturidade como a capacidade de se adiar um prazer imediato por um prazer maior no futuro. Já o marketing, que veio bem depois, percebeu que, desse modo, as pessoas refletiriam muito antes de comprar um produto. Por isso, simplesmente inverteu a máxima para: “Compre já e pague depois!”, seguida de tantas outras mensagens “anti-frustração”: “Não fique esperando!”, “Seu momento é agora!”, “Não perca esta oportunidade!”. E o martelar desses apelos é tanto que parecem ter revestido o conceito de frustração como algo essencialmente ruim quando, na realidade, ela é uma grande aliada da educação.
E quando, criadas neste cenário, multidões de crianças seguem sendo diagnosticadas como hiperativas, ansiosas, deprimidas, compulsivas, entre tantos rótulos, longe de associar uma coisa com a outra, o marketing da medicalização deita e rola antevendo o recorde de vendas de drogas para “acalmar” tantas angústias. Se, por um lado, é importante aprender a suportar a frustração, por outro, é preciso também que o marketing seja frustrado em sua ganância de fazer dinheiro a qualquer custo, principalmente quando se dirige à infância. E que seja proibido de associar felicidade com comprar, porque isso não faz sentido, além de causar um efeito geralmente oposto na vida dos que se entregam aos hábitos consumistas.
“Nãos” e limites podem ser dolorosos, mas no colo macio e entre as palavras acalentadoras dos pais, a experiência se torna mais fácil, podendo até ser incluída entre as boas lembranças da infância. Assim, não é preciso esperar que as crianças que forem frustradas hoje, claro que de um modo gradativo e protetor, terão mais facilidade em lidar com as frustrações naturais da vida no decorrer do tempo.
Se existe alguma possibilidade de se associar felicidade com comércio, esta só pode ser a capacidade de conter o impulso da compra, mantendo nosso dinheiro sob controle e nossos projetos cada dia mais próximos de serem realizados. Quem, nestas festas, em lugar de se entregar ao consumo, avaliou suas reais necessidades e inventou ideias simples (e consequentemente personalizadas) para demonstrar seu amor aos filhos e pessoas queridas, levou a melhor.
Nada substitui o gosto de vencer a pressão consumista, a alegria de ter agradado mais por muito menos e de poder começar o ano sem dívidas. Seguramente, isto tem muito mais a ver com felicidade, paz, prosperidade, saúde, alegria e todas essas maravilhas que o marketing promete mas, de fato, não entrega.
* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana. Também é colunista do site Envolverde, onde o artigo foi originalmente publicado.