Por Washington Novaes*
Não é provável que a atual onda de protestos chegue logo (estas linhas estão sendo escritas no meio da semana) a algum desfecho e leve a soluções para os problemas muito graves que atormentam o País – entre eles, desemprego em torno de 8,5% em um ano, projeção para 11,7% até o final deste (Estado, 7/4) e fechamento de 1,5 milhão de postos de trabalho em 12 meses. Outras fontes chegam a apontar a existência de milhões de pessoas sem emprego, que, somadas a 40 milhões que dependem do Bolsa Família e aos 2,8% da população na pobreza extrema (renda média mensal de até R$ 77), fariam chegar a 90 milhões em situação muito difícil. A renda média no País não passa de R$ 1.944, segundo a Pnad-IBGE (MDS, 20/11/1015). A cada hora, são mais 282 pessoas desempregadas (Estado, 12/4).
Não é só. Bancos e governos tentam renegociar dívidas de R$ 150 bilhões de grandes empresas (fora a da Petrobrás). Somadas às dívidas de famílias, no final de 2015 chegavam (Estado, 11/4) a R$ 245 bilhões. O pedido é de que o Banco Central libere depósitos compulsórios para essa finalidade ou use parte das reservas internacionais – mas são propostas não acolhidas. A indústria não vai bem. Felizmente, as exportações do agronegócio empresarial aumentaram 5,9% sobre igual período do ano passado (mais US$ 8,35 bilhões), graças à soja, a carnes e a produtos florestais (Agência Brasil, 9/4).
Diante de informações como essas, cresce o estarrecimento diante de notícias de que a Prefeitura de São Paulo gastará até o fim deste ano R$ 15 milhões para guardar 156,5 toneladas de uniformes escolares prontos e 10 mil móveis prontos (Estado, 8/4), assim herdados da gestão anterior, há três anos. E a razão desse despropósito, apesar das carências em escolas: as peças têm as cores azul e verde, enquanto na atual gestão a cor oficial é o azul escuro. Elas não têm nenhum defeito. E todo o desperdício se dá numa administração que até agora investiu apenas 8% (R$ 39,4 milhões) do orçamento (Estado, 14/3).
E tem mais: a tal “generosidade” se juntam, por exemplo, os salários de 129 funcionários que têm rendimento superior a R$ 60 mil (quatro vezes o salário de um vereador), quase o dobro do que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (Estado, 11/4). Ao todo a Câmara Municipal tem 2.094 funcionários para atender a 55 vereadores; estes recebem, cada um, R$ 11,5 mil mensais O plenário do Supremo já decidiu, em 2015, que servidores públicos não podem receber mais de R$ 33,7 mil, com todas as vantagens. Mas tudo assim acontece desde o ano passado, quando o Ministério da Educação cortou 47% dos investimentos em 63 universidades federais (R$ 1,2 bilhão), que têm mais de 1 milhão de alunos.
Enquanto isso, o País tem, segundo a Pnad, uma taxa de analfabetismo de 8,3% (era de 8,5% em 2013), ou 13,2 milhões de pessoas – mesmo tendo diminuído 2,1 milhões em uma década (Folha de S.Paulo, 4/11/2015). O Brasil é o 60.º país no ranking da educação, entre 76 nações. É o oitavo país no mundo em número de analfabetos adultos, conforme a Unesco. Um em cada quatro idosos é analfabeto.
Plano educacional aprovado pelo Congresso Nacional estabelece que o Brasil deverá aplicar, até o final desta década, 10% do seu produto interno bruto (PIB) num Plano Nacional de Educação, com recursos principalmente da exploração de petróleo e gás – até mesmo para eliminar o baixo tempo médio de escolaridade de homens (7,5 anos) e de mulheres (7,8). No Nordeste, a taxa de analfabetismo é de 54%. No conjunto são 13,2 milhões de pessoas. O índice de escolarização é de 82,7%. Avançar com esses índices exigiria (Estado, 29/7/2015) três vezes mais do que é aplicado hoje.
Há certa migração de alunos da rede privada de ensino para a pública, certamente em razão da crise econômica que atinge as famílias. Só de 2014 a 2016 foram 12% dos alunos, mais de 1 milhão entre os 9 milhões.
Em meio a tanta crise, ainda surpreende tomar conhecimento de números do Instituto Internacional de Pesquisa (4/4): os gastos militares no mundo no ano passado cresceram 1% do PIB; mas a aplicação do que hoje corresponde a 10% desses gastos bastaria para acabar com a pobreza e a fome em 15 anos. Os Estados Unidos, por exemplo, aplicaram em 2015 nada menos que US$ 598 bilhões na área militar; a China, US$ 215 bilhões. Total no mundo equivalente a 2,3% do PIB global.
No Brasil, a taxa de pobreza extrema vem caindo desde 2004 e chegou em 2014 a pouco mais de um terço do que era há dez anos – quando começou o Bolsa Família, que mudou muito o panorama, de acordo com a Pnad. A taxa geral de pobreza em 2014 situou-se em 7,3%, com queda de 70% sobre 2004. Entre crianças de até 5 anos caiu de 14 para 5%.
A extrema pobreza no meio rural diminuiu 62,5%. Para comparação: a pobreza atinge 34,5% da população argentina (Estado, 2/4), quando era de 24,7% em 2011, e a indigência chegou a 6,9% (Universidade Católica Argentina).
Depois de tantos números a evidenciar uma crise profunda, não se pode ignorar a amplitude dos problemas brasileiros. Em geral, ela só vem à tona nos momentos em que certos setores privilegiados pedem aumento das taxas de juros, quando as internas já estão entre as mais altas do mundo, influenciadas pelas externas – e aqui deveriam estar subordinadas às condições locais da economia. Mas estas durante muito tempo estiveram atreladas aos preços externos de commodities, que começaram a cair para índices muito inferiores, sem, contudo, acarretar redução proporcional de juros.
Parece claro que é preciso chegar a uma nova discussão da economia brasileira, à avaliação de fatores que continuam a impulsioná-la. Se é certo que não podemos fugir ao panorama externo – assim como aos números que beneficiam os setores de renda mais alta –, também é inquestionável que não podemos ficar subordinados somente a eles e a fatores que os beneficiam. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.