Ambiente

Izabella Teixeira: Não podemos ter retrocessos

Ex-Ministra do Meio Ambiente, bióloga e doutora em planejamento ambiental, Izabella Teixeira, fala sobre clima, biodiversidade, consumo, desmatamento, agrotóxicos e sobre a nomeação do atual Ministro Sarney Filho. Confira! 

Por Lúcia Chayb, da Eco21 –

Qual iniciativa realizada como Ministra considera que é a mais importante para o país?

A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) passou por profundas transformações nos últimos anos, sendo o MMA, ao mesmo tempo, agente e resultado dessas transformações. A agenda mudou e ganhou uma nova dimensão política, econômica e social. Destacaria a RIO+20 (ODS e Agenda 2030), o Acordo de Paris (clima), o novo marco regulatório a acesso a recursos genéticos (biodiversidade), o Bolsa Verde (UC e populações tradicionais) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR)/Novo Código Florestal.

Como avalia a presença do Brasil no contexto ambiental mundial e face aos compromissos perante a ONU, particularmente no Acordo de Paris e na Convenção sobre Biodiversidade?

O Brasil ampliou o seu protagonismo político na agenda ambiental internacional. As pessoas no Brasil muitas vezes não têm a dimensão da nossa importância, inclusive para a política externa. Paris marcou uma nova era para a agenda climática e revelou uma atuação política voltada para a construção de resultados e de respostas concretas para o enfrentamento às mudanças do clima. Esse protagonismo não foi apenas do Governo, mas também do setor privado, entidades ambientalistas e cientistas brasileiros. O mesmo se deu na RIO+20, com a adoção dos ODS e da Agenda 2030, além da nova governança global do PNUMA.

A pauta de produção e consumo sustentáveis entrou para os ODS graças a uma forte atuação do Brasil. Biodiversidade é estratégica para o País. Feitos globais são reconhecidos como o Programa ARPA (na sua terceira fase, com a meta de 60 milhões de ha de áreas protegidas na Amazônia), com o Protocolo de Nagoya (e a nossa nova Lei de Acesso a Recursos Genéticos) e os novos financiamentos do GEF (Global Environment Facility) para o Brasil (destaque para os Programas de Paisagens Integradas na Amazônia – Brasil, Peru, Colômbia; GEF Marinho e GEF Cerrado). O trabalho desenvolvido de 2010 até agora, possibilitou negociar e contratar uma carteira de projetos em cooperação internacional da ordem de R$ 6,1 bilhões até 2020 (O ARPA vai até 2029). Esses resultados dão a envergadura da nossa importância política no contexto internacional. O Brasil é hoje uma referência para vários doadores.

Um legado importante é a Política Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC) e o Plano Nacional de Adaptação. Considera possível que o Brasil reduza as emissões de GEE e, assim, contribua a não ultrapassar o 1,5°C?

A implementação da atual PNMC já coloca o Brasil como o País que mais reduz emissões no mundo. Implementar Paris nos coloca um novo desafio não só quanto ao fim do desmatamento e das emissões associadas a ele, mas de tornarmos um sumidouro com o reflorestamento. Temos de avançar na Agricultura de Baixo Carbono e fazer mais na agenda de energias renováveis, de eficiência energética e de biocombustíveis. Somos o primeiro país em desenvolvimento que topou ter compromissos com abordagem “economy wide”. Vamos fazer porque o entendimento é de apostar numa economia de baixo carbono para os nossos novos rumos de desenvolvimento. A proposta do Brasil para Paris não foi resultado de meia dúzia de pessoas, foi um processo político de ampla envergadura onde governo, ciência, setores produtivo e financeiro e sociedade sentaram-se e indicaram os rumos. Se vamos conseguir influenciar o 1,5°C não posso dizer, uma vez que segundo a ONU as emissões brasileiras são menos de 4% das emissões globais. Mas, o nosso compromisso foi de buscar a meta de abaixo de 2°C. O Brasil está concluindo estudo sobre as nossas emissões históricas. O debate ganhará novas cores!

Qual a sua opinião sobre a nomeação da diplomata mexicana Patricia Espinosa para chefiar a Convenção sobre Mudanças Climáticas no lugar de Christiana Figueres?

Patricia é uma boa amiga e foi determinante para a Conferência de Clima, em Cancún, no México, que presidiu. Trabalhamos juntas em outros fóruns na ONU. É uma mulher de fibra e competente. Temos que ajudá-la na UNFCCC. O Acordo de Paris precisa das regras de implementação e temos de estar prontos antes de 2020. A COP-22 deverá indicar esses resultados.

Como avalia a situação atual da luta contra o desmatamento ilegal e o resultado do CAR?

A luta contra o desmatamento é permanente e determina novas abordagens de combate ao crime ambiental diariamente. Tivemos nos últimos 5 anos, as cinco menores taxas de desmatamento na Amazônia. Não houve retrocessos. Em comparação à 2004, reduzimos 79% do desmatamento. Mas é preciso fazer mais. A meta da PNMC para 2020 é de 3.925 km2/ano como taxa para a Amazônia. Isso não é o bastante. Temos de zerar e manter. Para tal, é essencial separar o que ilegal do que é legal (autorizado pelo poder publico). Para tal, faz-se necessário o engajamento definitivo dos governos estaduais que dão as autorizações de supressão de vegetação e de manejo florestal desde 2006. Só assim poderemos ser mais efetivos com o controle da madeira ilegal, por exemplo.

Lançamos em 2015 com o INPE o DETER-B, nova tecnologia de apoio à fiscalização com a qual é possível enxergar mais e com mais precisão (agora com resolução de 6,25 hectares, não mais de 30 ha como o DETER-A). Essa nova tecnologia mostrou um desmatamento de 3,600 km2 (2015/2016 – até Abril). Os esforços são para reduzir o desmatamento esse ano. Espero que dê certo. Não cortei dinheiro do IBAMA com a crise orçamentária que o Governo enfrenta.

Aprovamos, excepcionalmente, uma blindagem de recursos para a fiscalização no Fundo Amazônia para evitarmos retrocessos ou dificuldades nos próximos anos. A nova versão do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) já está sendo feita. E consolidamos, com recursos financeiros já destinados e parceiras institucionais definidas, a Estratégia de Monitoramento de todos os biomas no Brasil e as respectivas taxas de desmatamento, a ser implementada até 2020. Mais um passo para o Brasil estar pronto para pós-2020, para fazer valer Paris.

O Cadastro Ambiental Rural é um instrumento que tem vários aspectos, além da regularização ambiental. Uma realidade para fazer produção de alimentos andar junto com a proteção ambiental. Se usarmos o Censo Agropecuário do IBGE, obtivemos, até 5 de Maio último, 97% da área agrícola do País (333 milhões de hectares). No entanto, o CAR revela que essa base está desatualizada. Nos últimos 10 anos, a área agrícola passou para cerca de 397,0 milhões de hectares. Entregamos 84% dessa área cadastrada. O CAR pegou! E vai fazer a diferença. O Brasil é o único País que detém essa tecnologia. Não podemos ter retrocessos!

A moratória da soja é um exemplo de sucesso da parceria entre o Ministério do Meio Ambiente e os empresários do “agrobussines”. Como avalia esse instrumento e a sua participação no acordo?

Uma experiência bem sucedida e que agora é permanente, não mais renovada ano a ano. Lembro-me que tentaram acabar com a moratória. Revertemos e avançamos. O desafio é deixarmos de ter moratória e passarmos para o CAR e para o CAR-Carbono. Mas, vários tabus estão caindo. Temos de trabalhar mais e agirmos com base em soluções. O caso da moratória é um bom exemplo inclusive de amadurecimento das relações políticas entre governo, sociedade e setor produtivo. Mas, precisa evoluir mais.

A União Europeia está praticamente proibindo o glifosato na produção agrícola. No Brasil, o uso de agrotóxicos, particularmente o glifosato, é um dos maiores do mundo. Acredita que seja necessário reavaliar a nossa legislação e proibi-lo, já que foi considerado cancerígeno pela OMS?

O Brasil precisa se engajar do debate sobre agrotóxicos. O IBAMA aprimorou nos últimos anos o seu processo de análise. As avaliações devem ser públicas (naquilo que a lei brasileira autoriza) e temos de saber como usar produtos menos tóxicos, além de banir produtos que oferecem riscos ou que já foram banidos em outros países. Os controles devem ser mais eficientes, inclusive quanto à fiscalização do “contrabando” de produtos já banidos. Por outro lado, defendo sempre o direito de escolha do consumidor. E para isso temos de dar transparência às informações. Tudo que é obsoleto ou que causa dano ao meio ambiente e à saúde deve ser banido no Brasil.

Poderia fazer um comentário sobre o projeto do novo Código da Mineração, em debate na Câmara dos Deputados?

Não participei desse debate. Mas, o desastre ambiental do Rio Doce, os garimpos ilegais, a ameaça às cavernas, os passivos ambientais associados ao setor revelam que esse tema precisa ser melhor discutido no Brasil. Importante adotar a licença ambiental que possibilite que as empresas não deixem passivos ambientais quando encerram as suas atividades. Temos que banir as práticas obsoletas e adotar as novas tecnologias. Não se trata de “vilanizar” o setor, mas buscar caminhos que possibilitem uma atividade econômica mais sustentável e competitiva.

Poderia fazer um comentário sobre a nomeação do atual Ministro Sarney Filho?

Trabalhei com ele no MMA em 1999. Fizemos uma transição correta. Tivemos pontos de divergência no passado. Ele tem sido correto e cordial. Espero que não tenhamos retrocessos. Aliás, ele tem dito que vai dar continuidade ao trabalho feito. Terá que ter muita determinação no enfrentamento da disputa no Congresso Nacional em torno do licenciamento ambiental. Espero que dê certo.

Quais são seus planos para o futuro imediato?

Descansar. Tirar férias. Depois, possivelmente, deverei ficar um tempo no exterior. (Eco21/ #Envolverde)

* Publicado originalmente na edição 235 da Revista Eco21.