Economia

Juros elevados refletem anomalias no Brasil

Consumidores nos caixas de uma grande loja de eletrodomésticos durante um dia de ofertas especiais, que levam os brasileiros a gastarem mais do que seus bolsos permitem, com apoio dos cartões de crédito, o que os mantêm fortemente endividados. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Consumidores nos caixas de uma grande loja de eletrodomésticos durante um dia de ofertas especiais, que levam os brasileiros a gastarem mais do que seus bolsos permitem, com apoio dos cartões de crédito, o que os mantêm fortemente endividados. Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 19/7/2016 – A dívida permanente é um modo de vida desde que foi criado o cartão de crédito. Mas isso custa muito caro paraos brasileiros, por causa das taxas de juros cobradas, aumentadas ainda mais pela atual crise econômica. Disso já sabia Laura (que preferiu não citar o sobrenome). Mas não pôde evitar cair na armadilha. Havia comprado um fogão novo que apresentou falhas irreparáveis e a empresa fornecedora demorou dois meses para fazer a troca.

Laura teve que comer fora, gastando em restaurantes, justamente quando perdeu sua renda como cuidadora de uma idosa que morreu. A conta de seu cartão de crédito mais do que duplicou em junho, chegando a R$ 3.740, e ela só conseguiu pagar 15% do total, refinanciando o restante. Sua conta duplicou novamente em julho, apesar de ter gasto menos.

“Não posso pagar”, admitiu Laura, cuja aposentadoria cobre pouco mais que o aluguel do pequeno apartamento onde vive sozinha em um bairro no centro do Rio de Janeiro. Ela vai esperar a indenização da loja que lhe vendeu o fogão para negociar um desconto e pagar a dívida, que por enquanto “cresce em progressão geométrica”.

Os descontos costumam ser tão elevados quanto as taxas de juros cobradas no Brasil. Os R$ 35.730 que Leo (pseudônimo de um eletricista) devia a um banco caíram para R$ 6.435. A redução de 82% teve como condição o pagamento à vista, e a ajuda da família permitiu que quitasse a dívida, causada por um déficit em sua conta bancária. Cerca de R$ 1 mil se multiplicaram acumulando juros sobre juros durante mais de três anos.

O Brasil é um país de devedores contumazes que costumam atrasar os pagamentos, justificando a existência de vários serviços de proteção ao crédito, com listas de maus pagadores. Um total de 59,4 milhões de brasileiros estava inadimplentes em maio, segundo aconsultoria Serasa, um banco de dados sobre cidadãos e empresas com dívidas financeiras. O número, quase metade da população adulta do país, foi comemorado como um avanço, já que em abril eram 60,7 milhões os que tinham dívidas vencidas.

Isso ocorre apesar da alta penalização das taxas de juros sobre o crédito e especialmente sobre os atrasos no pagamento. Refinanciar parte da dívida do cartão de crédito, por exemplo, custava, em junho, 447,44% de juros ao ano, enquanto os bancos cobravam 286,27% sobre o saldo devedor em contas correntes, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). É mais de dez vezes o que se cobra em países de desenvolvimento semelhante, como os latino-americanos.

O custo de um crédito pessoal em um banco é de 72% ao ano, inclusive para clientes com boa capacidade de pagamento. Esse limite foi ultrapassado devido à crise econômica que afeta o Brasil desde 2014, mas já eram abusivas há três anos, quando estavam em 41%. As grandes redes comerciais de bens duráveis preferem vender a prazo, mais lucrativo, com juros próximos de 100% ao ano. Para comprar com prestações mensais compatíveis com seus bolsos, os consumidores aceitam preços que duplicam a cada ano.

No Brasil, as taxas de juros para cartões de crédito estavam, em maio, em 450% ao ano, nível de usura que faz o número de inadimplentes ser, este mês, de quase 60 milhões de pessoas. Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas
No Brasil, as taxas de juros para cartões de crédito estavam, em maio, em 450% ao ano, nível de usura que faz o número de inadimplentes ser, este mês, de quase 60 milhões de pessoas. Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

As empresas também pagam juros altíssimos, entre 37% e 45%, para capital de giro (circulante ou de trabalho) vinculado às contas a receber. Isso acontece enquanto os países ricos baixaram suas taxas para perto de zero, para estimular a demanda. São “juros de extorsão que freiam a demanda” das pessoas físicas e os investimentos das empresas, impedindo o desenvolvimento econômico e “drenando imensos recursos para os intermediários financeiros”, ressaltou à IPS Ladislau Dowbor, professor de economia na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

“Caímos na armadilha porque os bancos se juntaram em um cartel” e o Banco Central fixou, desde 1996,taxas básicas de juros “exorbitantes” para “compensar os banqueiros pelo fim da hiperinflação que lhes dava ganhos fáceis”, explicou Dowbor.Para o professor, um militante do esquerdista Partido dos Trabalhadores (PT), o poder financeiro é uma “deformação mundial”, que assumiu formas específicas de criar obstáculosà economia no Brasil, onde seus ganhos crescem mais enquanto o produto estanca ou diminui, como ocorre desde 2014.

A saída seria uma reforma financeira, para baixar as taxas de juros do Banco Central e dos bancos públicos, ampliar os sistemas locais de financiamento, descentralizando o crédito, como fez a Alemanha, e regular o setor para priorizar os investimentos produtivos em lugar da especulação. Seria “persistir” no que tentou o governo do PT em 2013, sob a administração de Dilma Rousseff, freado por falta de força política.

Uma visão oposta, majoritária entre economistas, é a de Andrew Storffer, diretor executivo da Anefac. “É o governo, que gasta muito em proporção aos serviços prestados, o principal culpado pelos jurosaltos”, afirmou à IPS. A tentativa “voluntariosa” de baixar os juros em 2013 foi um dos erros que alimentaram a forte e prolongada recessão da economia brasileira desde 2014, acrescentou.

Com seus gastos e dívida em crescimento, o governo drena muito mais recursos da economia, tendo de se autofinanciar emitindo títulos que pagam altos juros para atrair investidores, elevando as taxas de todo o sistema financeiro, explicouStorffer. No ano passado, os juros da dívida pública totalizaram R$ 500 bilhões, equivalentes a 8,2% do produto interno bruto (PIB).

Os bancos são intermediários, captam o dinheiro e o redistribuem. “Se cobram caro, é porque há demanda, e o governo é o que mais demanda”, opinouStorffer. “Se ter um banco no Brasil fosse tão bom negócio, todos os bancos estrangeiros tratariam de se instalar no país, e não de sair, com fez o britânico HSBC”, que em 2015 vendeu sua subsidiária local ao Bradesco, segundo maior banco privado do país. Os juros aqui são grandes, mas os riscos também, acrescentou.

“O Brasil tem, provavelmente, o nível de juros reais mais elevado do mundo”, reconheceu Storffer, porque são altos os custos, os impostos e os riscos de insolvência, mas principalmente porque a taxa básica fixada pelo Banco Central se situa atualmente em elevados 14,25%. Esta taxa é um instrumento de política monetária, “elevada quando sobe a inflação”, para desestimular o consumo, e que no Brasil tem de ser mais alta pelo “desacerto nas contas públicas”, acrescentou. Encarecendo o dinheiro a ser emprestado, todas as taxas de juros sobem às nuvens. “A chave para baixar os juros é reduzir o gasto do governo”, concluiu.

A solução proposta por Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, parte do indivíduo. Sua organização já proporcionou educação financeira a meio milhão de pessoas, principalmente crianças, e divulga sua metodologia por meio de 15 livros para alunos e outros 15 para professores. DSOP são siglas de Diagnosticar, Sonhar, Orçamentar e Economizar, os quatro passos de seu curso. “Trata-se de mudar comportamentos, em uma formação preventiva para as novas gerações, pois a nossa já não muda. É necessário fixar sonhos para economizar”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS