Opinião

Livro conta a saga do projeto do motor a álcool

Por Júlio Ottoboni*

Um dos mais ambiciosos e bem sucedidos programas em tecnologia de combustível limpo do Brasil e com imensa repercussão em todo mundo teve sua história detalhadamente recontada num livro reportagem. O programa do motor brasileiro se revela em detalhes no livro “A Solução Brasileira: História do Desenvolvimento do Motor a Álcool no DCTA”. A publicação escrita pela jornalista Fernanda Soares Andrade traz um relato desde os primórdios do projeto até sua realização e os motores flex que são usados atualmente pelas montadoras de veículos.

Foram três anos de entrevistas, consultas aos jornais da época, comunicados internos, cartas, homenagens etc., no que resultou num acervo com milhares de informações.  O resultado é uma amostra do potencial brasileiro que existia em institutos como o antigo Centro Técnico de Aeroespacial (CTA), de São José dos Campos, berço do programa do motor brasileiro.

Todo o trabalho do livro, inclusive sua publicação, foi bancada pelo Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT), também sediado na cidade do Vale do Paraíba. E sua distribuição é gratuita pela entidade, que ainda digitalizou todo o arquivo gerado na pesquisa e é disponibilizado aos interessados.

“O idealizador da publicação foi o ex secretário-geral do Sindicato, Sérgio Rosim, que tinha como objetivo esclarecer a população sobre o funcionamento dos institutos de pesquisa”, explica a autora o que motivou a publicação.

Entre as funções do livro, além de resgatar informações mais precisas sobre a condução do projeto, Rosim viu como uma homenagem aos funcionários que estiveram envolvidos no projeto do motor brasileiro e o resgate mais fiel possível do ocorrido na época.

São 150 páginas com uma farta documentação histórica, fotos de época, o enfoque da imprensa, que apresenta um quadro contextualizado desde o final da década de 1970 até os dias de hoje. E mostra como a crise do petróleo colaborou para o início do desenvolvimento do motor a álcool no Brasil.

Carro a álcool. Frota Telesp Fusca. Foto: Divulgação

O livro aborda o protagonismo do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), como o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) era chamado na época. Além de mostrar como funcionava todo esse processo, as vantagens em relação à gasolina, o surgimento das novas usinas, também experiências com outros combustíveis e o retorno do uso do álcool nos carros flex. E conta o destino que levou os carros de teste, passagens curiosas e pouco conhecidas.

Entre elas o problema com os carburadores dos fuscas da Telesp, numa frota de 400 veículos. A empresa adquiriu 10 motores reservas e mandou converter os que funcionavam com gasolina. Começaram a surgir inúmeros problemas que os engenheiros do CTA investigaram e resolveram. O mais frequente, no entanto, era o entupimento dos carburadores por um pó branco. Depois de pensarem em fazer até peças de vidro. Um mecânico descobriu a solução, a limpeza da peça com vinagre de cozinha.

Outra curiosidade, as bobinas dos carros queimavam com frequência. Ninguém conseguia descobrir o motivo, pois nunca ocorreu nos testes de bancada. A descoberta veio praticamente por acaso. Enquanto o técnico em telefonia fazia o serviço, o motorista ficava como rádio do carro ligado e gerando uma sobrecarga na bobina. A solução foi criar um circuito independente da ignição do veículo, que é utilizado até hoje pelas montadoras.

A jornalista fez uma longa jornada atrás dos principais personagens deste projeto, indo para São Simão (GO), Goiânia (GO), Uberlândia (MG) e Brasília (DF), além de entrevistas e pesquisas em São José dos Campos.  Um dos pontos altos,  segundo a autora, foi a entrevista com o engenheiro Clóvis Michelan, conhecido por muitos como “pai do carro a álcool”.

“ O Clóvis foi um dos principais incentivadores da pesquisa, tendo disponibilizado seu acervo e seu tempo para conversar. Por causa de um câncer, não conseguiu concluir sua promessa de escrever o prefácio do livro. Foi internado logo após o pedido e veio a falecer três meses depois”, comenta sem esconder a emoção. O prefácio do livro ficou em branco, pois Michelan o redigiria.

A primeira edição do livro teve a tiragem de 2000 exemplares, que foram distribuição de forma gratuita e dirigida, voltada principalmente para parlamentares, sindicatos e bibliotecas do Brasil. Agora a ideia é traduzi-lo para inglês, para que outros países tenham acesso ao conteúdo sobre o projeto se tornou a primeira experiência mundial em larga escala para se ter um combustível automotivo ecológico e sem emissão de poluentes. (#Envolverde)

* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, tem 31 anos de profissão, foi da primeira turma de pós-graduação de jornalismo científico do Brasil, atuou em diversos veículos da grande imprensa brasileira, tem cursos de pós-graduações no ITA, INPE, Observatório Nacional e DCTA. Escreve para publicações nacionais  e estrangeiras sobre meio ambiente terrestre, ciência e tecnologia aeroespacial e economia. É conselheiro de entidades ambientais, como Corredor Ecológico Vale do Paraíba, foi professor universitário em jornalismo e é coautor de diversos livros sobre meio ambiente.  É colaborador Attenborough fixo da Agência Envolverde e integrante da Rebia.