Foto: Shutterstock
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Feche os olhos por 15 segundos e imagine crianças felizes e saudáveis. Pronto? Onde as crianças brincavam na sua imaginação? Essa foi a dinâmica escolhida pelo pediatra e sanitarista Daniel Becker, para uma plateia formada na maioria por educadores, na capital paulista. Segundo ele, o cenário mais frequente é o ambiente natural. “É muito fácil entender a ideia da criança brincando na natureza como a mais representativa de uma infância feliz e saudável”.

Por Cibele Quirino*

Nos grandes centros a realidade vai na direção oposta à imaginação e por conta disso, nesta semana, São Paulo e Rio de Janeiro receberam o I Seminário Criança e Natureza, uma iniciativa do Instituto Alana. O objetivo? Trazer à tona a importância do contato entre seres humanos e natureza, ou melhor, entre crianças e o ambiente natural, os benefícios dessa convivência. E não, isso não é ficção científica. “Precisamos falar do óbvio porque nos desviamos para muito longe de uma sociedade que protege a infância e a natureza”, pontuou Becker.

Ao contrário do que muitos pais veem como suficiente, esse convívio deve ir muito além do passeio no parque aos finais de semana. A paisagista urbana, autora do livro Cidades para todos: (re)aprendendo a conviver com a natureza, Cecilia Herzog, exemplificou o fato por meio da Pirâmide da Natureza – infográfico que detalha a frequência ideal da vivência no ambiente natural. “Precisamos de natureza o tempo todo, todo o dia e mais esporadicamente de acesso às grandes reservas naturais.A nova pirâmide tem como base a versão alimentar”, revelou Herzog.

Piramide_Natureza

Mas levar as crianças para parques e praças, por exemplo, nem sempre é uma tarefa fácil, em especial,quando os pais não tiveram tal experiência, não possuem essa conexão.Nesses casos, os avós têm um papel essencial, segundo o jornalista, cofundador do movimento Children&Nature Network, Richard Louv, autor entre outros livros de “A última criança na natureza”, traduzido em 15 idiomas, em 20 países, e agora lançado em português durante o evento pelo Instituto Alana e pela editora Aquariana.“Os avós são ótimo recurso, com certeza eles têm lembranças do contato com a natureza e saberão como conectar os netos ao ambiente”.

Outro caminho trilhado em San Diego/EUA com o mesmo objetivo é a formação de clubes comunitários.“Um pequeno número de famílias, de quatro a seis em geral, se organiza e vai junto ao parque, elas se sentem mais seguras e para as crianças é muito mais interessante, permite inclusive novas brincadeiras”. Para Lou, os pais têm medo de tudo e tornar essa dinâmica uma iniciativa coletiva tem contribuído para as crianças se sentirem livres.  “A natureza de fato não é 100% segura e é por isso que os adolescentes gostam tanto dela. Mas o risco existe nas mais diversas situações, a obesidade infantil também é um risco”.

Assim como a ideia de perigo relacionada ao ambiente natural precisa de um novo olhar, o mesmo vale para a visão de mundo dos seres humanos. A doutora em educação Lea Tiriba, coordenadora do Grupo de Pesquisa Infâncias, Tradições Ancestrais e Cultura Ambiental (GiTaka), exemplificou até que ponto a sociedade se distanciou da natureza.  “Se eu pedir para que vocês façam um desenho sobre o tema, vamos encontrar céu, rio, montanha, mar, pássaro, e na maioria os seres humanos não estarão ali colocados, porque não nos vemos assim. É um modo de olhar para o mundo, para a vida e para nós mesmos em separado e é isso que vem sendo reproduzido”.

A realidade está repleta de conceitos que precisam ser revistos, apesar dos inúmeros benefícios já reconhecidos por tal convívio. “O contato da criança com a natureza beneficia incrivelmente o desenvolvimento integral, é nutritivo, criador, formador estimula a curiosidade, a concentração, a imaginação, o afeto, a calma, o senso de maravilhamento.  Será que não é muito óbvio que as crianças ficam mais saudáveis correndo ao ar livre, do que cerceadas em casas e apartamento com telas?”, provocou Daniel Becker.

Em tempos onde o bom senso precisa de pesquisas, estudos que creditem aquilo que já é conhecido são fundamentais. Richard Louv enfatizou que no site Children & Nature Network estão disponibilizados mais de 200 resumos de estudos sobre os benefícios dessa dinâmica. “Queremos divulgar para todo o mundo as evidências que antes ficavam restritas nas universidades e esperamos que o Brasil nos ajude com mais pesquisas. Sabemos do consenso, mas precisamos de provas”, reforçou. Questionado sobre a pesquisa que gostaria que fosse feita, Lou respondeu. “Precisamos de estudos que mostrem que tipo de atividade, a duração, o ambiente mais propício para as crianças, enfim o que funciona melhor nas grandes cidades”. Desafio lançado. (#Envolverde) 

* Cibele Quirino é jornalista freelancer pós-graduada em Meio Ambiente e Sociedade. Possui experiência também como coordenadora de comunicação. É autora de biografias da série de livros “Me conte a sua história”, programa voluntário com foco no bem-estar de idosos que vivem em instituições de longa permanência.