Opinião

Luta contra a Covid, mas com olhos no futuro

por Mario Lubetkin, Diretor Geral Adjunto da FAO – 

Na Europa, Estados Unidos e em outros países progressos significativos foram feitos na redução do impacto dramático da Covid-19 em setores-chave da população, também em parte da África, América Latina, Ásia e Oriente Médio. A situação dos efeitos devastadores da pandemia continua afetando gravemente grandes setores da população e da economia, incluindo a realidade alimentar e agrícola.

Este foi um dos temas debatidos na recente reunião de Ministros das Relações Exteriores e Cooperação Internacional realizada no final de junho na cidade italiana de Matera, no sul da Itália, no âmbito do G20 e sob a Presidência da Itália, na qual o a questão da sustentabilidade alimentar à luz dos efeitos da Covid-19.

Uma das iniciativas aprovadas foi a criação de uma Coalizão a favor da Alimentação que permita multilateralmente, ou um grupo de países, e mesmo bilateralmente, encontrar caminhos comuns a partir de práticas bem-sucedidas que diversos países realizaram ao longo deste período desde cedo.

A ideia da Food Coalition é um sinal claro de que cada país, sozinho, não conseguirá sair das dificuldades que a pandemia causou ou agravou.

Esta iniciativa fez parte de um amplo debate dentro da FAO para identificar maneiras de abordar o potencial agravamento da pobreza e da fome devido aos efeitos do Covid-19.

Os Retirantes, Cândido Portinari 1944

Segundo dados da FAO, aos cerca de 690 milhões de pessoas que passam fome, (segundo números anunciados em julho de 2020), a partir da Covid-19, poderiam ser agregados mais de 100 milhões, o que se afastaria da meta proposta em 2015 por mais de 150 chefes de estado para eliminar a fome e a pobreza até 2030.

Pelo contrário, se continuarmos neste caminho, em 2030, mais de 840 milhões poderão passar fome em todo o mundo, apesar dos esforços que estão a ser feitos.

Trata-se de construir uma coalizão que leve em consideração os aspectos de sustentabilidade alimentar, saúde, meio ambiente e economia em uma visão comum, de forma conjunta e flexível.

Precisamente, a participação dos diferentes atores públicos e privados foi uma das questões que enfrentaram durante a referida reunião do G20 na Itália, razão pela qual foi lançado um apelo para iniciativas globais ou regionais conjuntas que permitam um avanço na reunião do G20 com foco em Ministros de Agricultura a ser realizada em meados de setembro em Florença, Itália.

Este processo de unir forças e articular planos e ações comuns, superando certas áreas de isolamento que a Covid-19 gerou entre países e regiões, deve permitir, por exemplo, que pequenos produtores de países menos desenvolvidos atuem diretamente com mercados de países desenvolvidos, a reflexão que vem sendo realizada por países e grupos de produtores da Europa, dos Estados Unidos e de alguns países da África. Da mesma forma, incorporar aos novos acordos de paz, por exemplo, entre Israel e Marrocos, o componente de agricultura e alimentação sustentáveis ​​e até mesmo repensar projetos existentes em diferentes países, que os efeitos de Covid-19 modificaram substancialmente.

Reorientar as estratégias agrícolas e alimentares de médio e longo prazo em planos “one health” também deve permitir uma visão semelhante e complementar nas análises sobre saúde, nutrição, futuro sustentável do planeta e dos animais, tentando sair do risco fragmentado avaliações dessas realidades.

É preciso cuidar da biodiversidade, promover iniciativas de jovens e mulheres do meio rural, perder alimentos que continuam a ultrapassar 14% do que se produz, gerar novos cenários de sustentabilidade alimentar, entre muitos outros aspectos.

Esse esforço conjunto de coalizões deve ajudar a reverter a tendência escandalosa de que além de centenas de milhões de pessoas passando fome, mais de um bilhão de pessoas são obesas, o que coloca a qualidade da alimentação como um dos desafios da pós-pandemia.

Este será um dos temas de discussão na próxima pré-Cúpula sobre a Transformação dos Sistemas Alimentares, que se realizará em Roma entre os dias 26 e 28 de julho, convocada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas e para a qual está prevista a presença de milhares de participantes, de forma física ou virtual, de presidentes a ministros, acadêmicos, representantes do setor privado e da sociedade civil. As conclusões dos debates em Roma serão posteriormente transferidas para Nova York, em setembro, onde os Chefes de Estado se reunirão para sancionar possíveis acordos comuns.

Como nunca antes, é hora de unir forças, analisando a complexidade dos fenômenos, mas em busca de experiências que tenham tido resultados tangivelmente positivos ao longo desse período.

Como o Papa Francisco apontou recentemente, é necessário “redesenhar uma economia na altura do homem, não limitada ao lucro, mas conectada” ao bem comum, amiga da ética e respeitadora do meio ambiente (#Envolverde)

Mario Lubetkin, de nacionalidade uruguaia, é jornalista com mais de 40 anos de experiência em comunicação internacional e cooperação para questões de desenvolvimento. Iniciou sua carreira profissional na agência de notícias Inter Press Service (IPS) em 1979, ocupando diversos cargos de crescente responsabilidade gerencial. Ele atuou como Diretor-Geral da IPS de 2002 a 2014. Durante sua carreira, o Sr. Lubetkin coordenou projetos com os governos da Finlândia, Itália, Espanha, Uruguai e Brasil, juntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Meio Ambiente das Nações Unidas Programa (UNEP). Em 2012, foi nomeado membro do Grupo Consultivo das Nações Unidas para o Ano Internacional das Cooperativas (IYC)

Imagem: Na Indonésia, um menino descansa sentando em frente a um mural que representa o coronavírus. Foto Aditya Aji/AFP – Publicado originalmente no Brasil pelo Projeto Colabora.