Por Márcio Santilli*
Em artigo, o sócio fundador do ISA analisa o conjunto de medidas do governo federal que visa beneficiar as principais empreiteiras do País, quase todas envolvidas na Operação Lava-jato. “É incrível que o governo e o Congresso se encorajem a tratar os interesses de empresas que vem sendo recorrentemente condenadas por crimes contra o patrimônio público com tal urgência”, afirma.
Um conjunto de Medidas Provisórias (MPs) e projetos de lei vêm alterando, nos últimos meses, o regime jurídico para beneficiar as grandes empreiteiras do País, a maioria delas envolvidas na Operação Lava-jato. Esse pacote pretende: (1) estender o “regime especial diferenciado de contratação”, que dispensa controles e licitações; (2) fragilizar, definitivamente, o licenciamento ambiental das grandes obras; (3) garantir a recontratação pelo poder público das empreiteiras envolvidas em corrupção; e (4) transferir para elas a competência legal de desapropriar, “por interesse público”, terras e outros bens.
A lei 8.666, que rege as licitações públicas, já havia sido alterada para facilitar a contratação das obras relacionadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas que, supostamente, não poderiam ser concluídas nos prazos necessários caso ficassem submetidas aos trâmites mais complexos dessa lei. A utilização do “regime especial diferenciado de contratação” permitiu um aumento no custo das obras e no desvio de recursos, embora muitas delas não tenham sido entregues ao público até hoje. Agora, tramita no Senado o PL 559/2013, que estende esse regime a qualquer obra com custo acima de R$ 500 milhões que seja considerada “estratégica” pelo governo, relegando a aplicação da lei às exceções e não mais como regra. Pela proposta, o governo entregaria apenas um anteprojeto de engenharia às empresas licitantes e a contratação seria integrada, modalidade na qual a obra é contratada por inteiro, incluindo projetos básico, executivo e construção.
“O projeto desestimula a participação popular no controle social dos gastos públicos”, alerta Manoela Carneiro Roland, coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Empresas da Universidade Federal de Juiz de Fora (Homa). Ela explica que a PL 559 aponta para a criminalização de pessoas que denunciem a corrupção em processos de licitação.
Também está na pauta do Senado, em regime de urgência, o PLS 654/2015, estabelecendo um “rito sumário” para o licenciamento ambiental das grandes obras, com a dispensa de realização de audiências públicas e com a fixação de prazos exíguos para que os órgãos competentes se manifestem, considerando-se aprovados os projetos que não forem analisados naqueles prazos. Nessa modalidade de licenciamento “a jato”, haveria a possibilidade de execução de obras altamente impactantes sem a realização prévia de avaliação dos impactos e sem o estabelecimento de condicionantes socioambientais.
Esses projetos de lei integram a chamada “Agenda Brasil”, com que o Senado pretende contribuir para o enfrentamento da crise econômica e política, e complementam outras alterações legais já efetivadas por MP que devem ser convertidas em leis definitivas nas próximas semanas.
Em 8/12, a presidente Dilma Rousseff editou a MP 703/2015, para facilitar a realização de acordos de leniência entre o governo e as empresas condenadas na Operação Lava-Jato, de modo que elas possam seguir sendo contratadas pelos poderes públicos. Pela MP, os acordos de leniência, previstos na legislação de combate à corrupção adotada em 2014, deixam de depender de aval do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal e podem se converter em fator de impunidade.
As informações divulgadas sobre uma suposta delação premiada do Senador Delcídio do Amaral indicam que o governo federal, além de facilitar os acordos de leniência, teria tentado libertar os maiores empreiteiros que continuam presos no contexto da Operação Lava Jato, inclusive valendo-se da nomeação de juízes para o Superior Tribunal de Justiça com o intuito de viabilizar a aprovação de habeas corpus em favor deles. Com isso, o governo atropela o seu próprio argumento para facilitar os acordos de leniência, de que só cabe punir os dirigentes das empresas mas nunca elas próprias, pois a intencionalidade criminal só pode ser atribuída a pessoas.
Violação de direitos
Ainda mais inusitada, a MP 700/2015 foi editada pela presidente em 18/12 para permitir que as próprias empreiteiras realizem desapropriações de terras e de outros bens localizados nas áreas destinadas à implantação de grandes obras. Essa competência legal, própria dos poderes públicos, seria terceirizada para agilizar esses empreendimentos e constituir-se em atrativo adicional para que as empresas apresentem propostas nos editais relativos a novas obras de infraestrutura. Com isso, agigantam-se as possibilidades de violação de direitos e de ocorrência de conflitos socioambientais na implantação dessas obras, com as empreiteiras passando a lucrar também com os bens pertencentes a terceiros.
“Em tempos de discussões intensas em nosso país sobre as mazelas da corrupção que destina riqueza pública para agentes privados, o que essa MP faz é, exatamente, e descaradamente, permitir uma apropriação legal de bens e poderes públicos pelo privado. E ainda sob a justificativa de agilizar a execução de obras de interesse público!”, critica, em artigo, Raquel Ronik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).
É incrível que o governo e o Congresso se encorajem a tratar os interesses de empresas que vem sendo recorrentemente condenadas por crimes contra o patrimônio público com tal urgência e relevância, quando os demais agentes econômicos tomam prejuízos e a maioria da população vive em situação de endividamento e desespero. Mesmo com os maiores empreiteiros do país na cadeia e com a comprovação em juízo dos seus crimes bilionários, os seus interesses continuam sendo priorizados pelos agentes políticos que financiam, em detrimento do erário público, do meio ambiente e dos direitos sociais.
Grandes obras superfaturadas vêm sendo promovidas desde o regime militar, sem que tenham assegurado o prometido benefício econômico. A implantação de infraestrutura requer prioridades bem definidas, medidas casadas e controle na execução, para que não se torne fator de desperdício e de mera corrupção. Pacotes de obras se sucedem, enquanto o PIB, após anos seguidos de crescimento pífio, agora se afunda na depressão. E o Brasil não vai superá-la com a reedição de erros e com a fragilização de leis para favorecer as maiores protagonistas da própria crise. (ISA/ #Envolverde)
* Márcio Santilli é sócio fundador do ISA.
** Publicado originalmente no site Instituto Socioambiental.