por Dal Marcondes –  

Acho que foi em 2014, às vezes me perco com as datas. Me recordo de fatos, mas as datas caem em um buraco negro. O jornalista Washington Novaes havia terminado de produzir o documentário “Xingu Terra Ameaçada“, que procurou mostrar os dilemas e riscos que corre o Parque Indígena do Xingu, primeira terra indígena homologada pelo governo federal, em decreto assinado pelo então presidente Jânio Quadros. O projeto foi idealizado pelos irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas Boas e quem redigiu foi o antropólogo Darcy Ribeiro, então funcionário do Serviço de Proteção ao Índio.

Mas, voltando a 2014, Washington decidiu que iria levar a estreia de seu documentário para aldeia Kuikuro, no Xingu. Era uma espécie de continuação de outro documentário dirigido por ele, em 1984, que se chama “Xingu, Terra Mágica”. A ideia era justamente mostrar o contraste que trinta anos fez com as comunidades e a natureza do parque.

Para esse lançamento foram convidados diversos jornalistas, inclusive eu. A aventura começou em uma manhã paulistana no Campo de Marte, onde um avião Hércules C130 da Força Aérea Brasileira nos esperava. Embarcamos. Alguns um pouco assustados, outros ressabiados, e uns poucos extasiados, o que me incluía. Viajar nesse ícone de transporte militar era uma absoluta novidade. Já voei em algumas aeronaves históricas, como o velho DC3, o temerário Bandeirante, e alguns Fockers bem estranhos.

A primeira parte do voo foi de umas 3 horas até Brasília. Depois uma segunda parte até o município de Alta Floresta, no Mato Grosso, A primeira vez em que estive nessa cidade foi em 1986, em uma missão para resgatar um fotógrafo meu amigo que havia sumido fazia mais de um mês. Mas, esta conto depois. Em Alta Floresta embarcamos em três aviões menores, dois monomotores e um bimotor. Começou a última etapa de voo em direção ao Xingu. Voamos pouco amis de uma hora sobre extensos campos de soja. Um imenso deserto verde, até enxergarmos ao longe as primeiras matas. Era a fronteira do Parque. O desmatamento encostou na mata xinguana, ameaçador.

Mais um pouco e pousamos na pista de terra na aldeia Kuikuro. Os índios cercaram os aviões e receberam Washington Novaes com um amigo, melhor, como um parente. A emoção de estar ali me lembrou de minha covardia no início dos anos 70, quando meu pai iria fazer uma matéria no Xingu e eu refuguei ao convite de ir junto. Pode ser que eu apenas não tenha entendido, aos 15 anos, o que significava esse lugar.

Olhar aqueles homens e mulheres orgulhosos que ostentam com orgulho suas tradições e rituais em suas casas, no seu espaço, foi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Podia ver nos rostos dos colegas jornalistas o espanto de estar fora de seu planeta, caminhando por uma espécie de Pandora.

Banho no rio Xingu, o mesmo que foi e ainda está sendo desfigurado pela insanidade de Belo Monte e por mineração industrial de ouro mais acima. Comer de seus peixes e assistir danças ancestrais.

Conhecia Washington de outras paragens. Ele era amigo, acho que irmão define melhor, do Aloysio Biondi, meu mestre no jornalismo, sabia de sua importância e competência. Ali, de chinelos e chapéu de palha, sentado entre os sábios, caciques e xamãs, compreendi a estatura daquele gigante de sotaque goiano.

Passamos poucos dias entre os índios, uma eternidade de saberes. Ali finalmente compreendi, senti e vivenciei um sentimento de pertencimento. De que o Brasil é muito mais do que minha arrogância paulistana podia imaginar. Pandora é aqui!

(Envolverde)