Refletir e escrever sobre o que ocorre no Brasil neste momento não é exatamente esperar que o pesadelo termine e que tudo possa mudar. Soluções mágicas são coisas de contos de fada.
Refletir e escrever sobre isso é uma maneira de amenizar o desconforto e expor sob o Sol a repulsa por tudo isso ao dizer, a cada um de nós, que não fomos nem somos cúmplices da trama criminosa, autoritária e atentatória à dignidade que se deve ter frente ao fascínio e efemeridade da vida. Nem todos tem esse privilégio ético-estético. Os acontecimentos dos últimos dias, basicamente a localização e prisão do miliciano Fabrício Queiroz, policial aposentado e braço direito do presidente dessa bananosa república e seu clã, traz algum alento. O que permite encher os pulmões do precioso ar.
Muita coisa mudou com a prisão, até a véspera, dissimulada por outro criminoso, o advogado Frederick Wassef, que ocultava Queiroz em uma propriedade dele. Wassef, também fiel servidor do presidente e seu clã de celerados.
Os generais de pijama, os velhotes truculentos, cada um deles com as deficiências que a idade e as limitações intelectuais de certo estilo de vida criam, ainda tem disposição de um “golpe”, se “a corda for esticada”? Reservo-me, como muitos, ao direito de não acreditar. Teriam de ser mais estúpidos que parecem, ainda que isso não seja impossível. Em princípio, nada pode ser descartado. Aqui, no entanto, trata-se de probabilidade. Não de possibilidade.
A cada dia, o cenário fica mais evidente. O país, dilacerado por uma pandemia que matou milhares em todo o mundo, aqui combina com o caos social, a marginalização e exclusão, a ausência de direitos elementares, legado da mentalidade senhorial, a mais longeva de todo este hemisfério da Terra, para produzir a mortandade que deve ser a maior de todas. Mais uma vez estamos no pódio, agora, para expor a vergonha visceral.
Um analfabeto, um bufãozinho, modelo de todo fascismo e fascistas, o “ministro da educação” Abraham Waintraub, saiu fugido do país. Protegido por um passaporte diplomático, depois da destruição que implantou numa área estratégica para qualquer país: a educação, em todos os seus níveis. A crise política, moral, intelectual e mesmo espiritual, se quiserem crer (e digo isso num sentido sem qualquer relação com que fala o padre ou o pastor) é só mais uma capítulo de um história vacilante, uma novela trágica, com personagens patéticos e, ao mesmo tempo, trágicos.
Chegamos até aqui com a aquiescência, em muitos sentidos, de instituições que vão do congresso nacional e sua longa história de fisiologismo e pura conveniência, passando pelo STF com seus tortuosos jogos de palavras para dissimular fatos óbvios, e uma consciência social apagada como a lua nova. O que deve ocorrer, a partir de agora? É o que todos querem saber. Estou disposto a apostar todas as minhas moedas na ideia de que as investigações sobre “fake news” podem conduzir a uma anulação da eleição da chapa do capitão e do general. Os que estão aí, mostrando a que vieram, para usar uma expressão a gosto do imediatismo que caracteriza a maior parte do raciocínio jornalístico. O que significa dizer: recomeçaríamos, mais uma vez, como aconteceu no pós Collor de Mello, de tantas desgraças, assassinatos e suicídios. Como país, para abusar de algum otimismo, estamos condenados ao mito de Sísifo, o de carregar uma pedra ao topo da montanha, de onde ela rola para o fundo do vale. Apenas para ser reconduzida ao topo e rolar mais uma vez.
O Brasil não tem os acidentes naturais clássicos de outras regiões deste mundo: os tremores de terra típicos de atividade tectônica. Nem os furacões destrutivos, inviabilizados por aqui por condições associadas ao congelado Mar de Wedell, na Antártida subafricana. Mas temos a mentalidade arcaica: patriarcal, escravista mesmo, de marcada e indisfarçada marginalização social. E essa é a nossa tragédia. O nosso mito de Sísifo. A nossa novela sem fim. (#Envolverde)