Opinião

O ambientalismo verde-oliva das forças armadas brasileiras

por Samyra Crespo, especial para a Envolverde – 

Todos os dias, quase religiosamente, ao acordar ligo a Rádio MEC FM, praticamente a única a tocar música erudita e ter uma excelente programação de clássicos.

Há dois ou três dias fui surpreendida com uma campanha (com várias inserções diárias) do Exército sobre sua proteção ao meio ambiente: “Braço forte, mão amiga na defesa do meio ambiente do Brasil.”

O conteúdo é basicamente o seguinte: o Exército declara ser o proprietário de importantes remanescentes de vegetação perto de suas unidades de operação e declara que as protege. Ponto.

Nada mal fazer uma campanha no Rádio. Mas é a única, e veiculada numa radio estatal de um Governo Civil, até onde eu saiba. Cadê o Ministério do Meio Ambiente?

Que existe um “ambientalismo verde oliva” não duvido e há vários indícios históricos disso, embora nenhum estudo aprofundado que eu conheça.

Quando coordenei o estudo nacional O que o Brasileiro pensa da Ecologia em 1989-1991, juntamente com Pedro Leitão (que veio a ser o primeiro dirigente do FUNBIO anos depois), no âmbito do CNPq, os militares eram um dos atores mais relevantes quando se falava de Amazônia e das zonas fronteiriças.

No que diz respeito à Amazônia, o lema era “integrar para não entregar” e o tema principal era a soberania sobre a Amazônia. O pano de fundo? O nacionalismo desenvolvimentista dos anos 70′ que ainda ecoava forte no seio das lideranças das Forças Armadas.

Do lado da sociedade, este papel de guardião também era reconhecido. Em várias pesquisas que conduzi na Amazônia, inclusive para o WWF, vi ressaltada a importância do Exército na ajuda cotidiana às populações indígenas e ribeirinhas. Vacinação, transporte de doentes, de alimentos durante as enchentes, enfim uma presença nada desprezível em áreas remotas e nas lonjuras da Amazônia.

Dr. Paulo Nogueira Neto, nosso “decano do meio ambiente” e primeiro secretário nacional do Meio Ambiente (embrião do futuro MMA) não se cansava de dizer que foi graças a este sentimento nacionalista que pudera – durante a Ditadura – criar dezenas de áreas protegidas.

Cheguei a entrevistar dois destes militares que se tornaram ativistas conhecidos: Orlando Valverde e o almirante Ibsen Gusmão Câmara.

À medida que a democratização avançou, pouco se acompanhou a evolução tanto do papel quanto da ideologia das Forças Armadas em relação à problemática ambiental. A preocupação com a Amazônia persistiu. A querida e saudosa professora, geógrafa Berta Becker (já falecida) era sempre convidada a dar palestras na Escola Superior de Guerra. Segundo ela, em entrevista que fiz, a preocupação, nos anos 90′, era com a progressiva “desnacionalização” da Amazônia, a politização dos índios e a presença de missionários e religiosos de várias cepas, fazendo a conhecida “disputa das almas”. Ela mostrava com seus estudos de décadas que o subsolo amazônico já estava rateado e pertencia a multinacionais. Também chamava a atenção para a urbanização da Amazônia e da pouca atenção que isso tinha por parte das políticas públicas endereçadas à região.

O norte dessa preocupação dos militares era como explorar as imensas riquezas da Amazônia em benefício do Brasil, superando uma visão edênica da região – predominante na opinião pública do País.

Conflitos sobre a propriedade da terra, garimpo ilegal e o avanço nada discreto sobre o território indígena sempre existiu e nenhum governo conseguiu deter seriamente esta dinâmica.

Hoje, quando assistimos à tragédia de mais de 500 km de desmatamento em meses, e ataques genocidas às aldeias, temos novamente o Exército protagonizando um crucial papel na região.
A missão foi dada pelo presidente ao seu vice – General da Reserva Mourão.

Cabe à ele coordenar a força-tarefa de deter o acelerado desmatamento ilegal e impedir a farra das queimadas.

Os resultados ainda não apareceram nem se conhece bem a estratégia. Talvez porque a transparência, nesse caso, mais favoreça aos bandidos do que à sociedade. Esperamos que seja este o motivo.

Quanto ao resto, o que pensa as Forças Armadas sobre o meio ambiente e sobre a Amazônia hoje, esperamos ardentemente que não seja o que mostra a destrutiva cartilha do ministro Salles nem as declarações de campanha do presidente.

Mas, como ignorar que Mourão integra o governo e é dele parte orgânica?
Há muitas indagações e indícios de que a propagada defesa do meio ambiente – por parte das Forças Armadas é, no mínimo, sujeita a questionamentos.

 

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.