Opinião

O ano de 2021 não conseguiu garantir segurança alimentar ao mundo

por Mario Lubetkin, Diretor Geral Adjunto da FAO   – 

O ano que se encerra demonstrou a fragilidade dos sistemas alimentares diante de choques repentinos como os observados durante a pandemia de Covid-19, que vem provocando aumento da fome no mundo. Atualmente mais de 811 milhões de pessoas passam fome.

Três bilhões de pessoas não podem pagar por dietas saudáveis, enquanto outro bilhão se juntaria às fileiras da fome se a crise reduzisse sua renda em um terço, observou um relatório recente da State of Food and Agriculture (SOFA) produzido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

De acordo com as projeções atuais, o custo dos alimentos poderia ter um aumento que afetaria 845 milhões de pessoas caso continuasse uma alteração nas rotas de transporte de produtos alimentícios, como se verifica desde o início desta pandemia.

Esses distúrbios afetariam as tendências de longo prazo no sistema alimentar, no estado de bem-estar das pessoas, seus ativos, seus meios de subsistência, segurança e também na difícil capacidade de resistir a distúrbios futuros de eventos climáticos extremos, bem como o recrudescimento de doenças e pragas em plantas e animais.

Embora antes da pandemia já houvesse dificuldades em cumprir os compromissos da comunidade internacional e, assim, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para o ano 2030, especialmente a eliminação da fome e da pobreza, os efeitos da Covid-19, somados às Mudanças Climáticas, conflito armado e o aumento dos preços dos alimentos pode continuar a exacerbar essas dificuldades.

Os sistemas agroalimentares globais, relacionados com a produção complexa de produtos agrícolas alimentares e não alimentares, bem como a sua armazenagem, processamento, transporte, distribuição e consumo, produzem anualmente 11 bilhões de toneladas de alimentos e empregam já biliões de pessoas, diretamente ou indiretamente.

O recente relatório da FAO analisou a situação específica em mais de 100 países e, embora tenha sido confirmada a tendência de que os países de baixa renda enfrentam maiores dificuldades, os países de renda média e alta não estão excluídos desses problemas.

É o caso de países de renda média como o Brasil, onde 60% do valor de suas exportações vêm de um único parceiro comercial, reduzindo suas opções se sua contraparte principal for perturbada pela interferência gerada pela Covid. O mesmo pode acontecer em países de alta renda, como Canadá ou Austrália, se eles forem expostos a variantes de transporte devido às longas distâncias necessárias para cobrir a distribuição de alimentos.

Agricultura familiar

De acordo com estudos recentes de especialistas, a redução das conexões essenciais na rede de distribuição faria com que o tempo de transporte local aumentasse em 20 por cento ou mais, aumentando assim os custos dos alimentos e os preços para os consumidores.

A resiliência nos sistemas agroalimentares por parte dos governos deve ser uma das principais estratégias para responder aos desafios atuais e futuros, buscando diversificar as fontes de insumos, produção, mercados, cadeia de abastecimento e atores, apoiando a criação de pequenas e médias empresas, cooperativas, consórcios e outros grupos para manter a diversidade nas cadeias de valor agroalimentares.

Além disso, a resiliência das famílias vulneráveis ​​deve ser melhorada para garantir um mundo sem fome, por meio do acesso a ativos, fontes diversificadas de renda e programas de proteção social em caso de crise.

Hoje, a agricultura familiar representa 90 por cento de todas as propriedades agrícolas do mundo, por isso a FAO estabeleceu uma plataforma técnica para a agricultura familiar, com o objetivo de promover a inovação e a troca de informações entre as regiões.

Diretor-Geral da FAO, QU Dongyu

Para o Diretor-Geral da FAO, QU Dongyu, quando recursos e conhecimentos são compartilhados “a inovação acelera” e embora “esta plataforma nos permita pensar grande, também facilitará a adoção de medidas concretas”, permitindo por sua vez a conservação da biodiversidade, representando assim o primeiro passo para a transformação rural.

A relação entre nutrição agrícola e mudança climática é outro componente proeminente dos choques que continuaram a ocorrer em 2021.

O aumento das temperaturas e o impacto crescente dos efeitos radicais atmosféricos estão afetando exponencialmente a agricultura, provocando um aumento dos preços das matérias-primas registrado pelas tendências recentes e, consequentemente, agravando as condições de fome e desnutrição.

Se essa tendência continuar, até 2050 a produção agroalimentar diminuirá em cerca de 10%, numa época em que haveria um forte aumento da população mundial.

Também aqui há oportunidades de reverter tendências relacionadas à agricultura, alimentação e meio ambiente, mas para que isso aconteça, devem ser gerados fortes aumentos de investimentos neste setor.

Da agricultura de precisão aos sistemas de alerta precoce, da melhoria do aproveitamento dos resíduos alimentares para convertê-los em energia limpa ao uso mais eficiente da água, são alguns exemplos de práticas já realizadas em diversos países e que dão esperança de caminhos possíveis para chegar a soluções que permitam inverter as tendências negativas atuais, em vez de apenas nos determos para apontar novas dificuldades para a futura indústria agroalimentar no final do ano. (fim)

Mario Lubetkin, de nacionalidade uruguaia, é jornalista com mais de 40 anos de experiência em comunicação internacional e cooperação para questões de desenvolvimento. Iniciou sua carreira profissional na agência de notícias Inter Press Service (IPS) em 1979, ocupando diversos cargos de crescente responsabilidade gerencial. Ele atuou como Diretor-Geral da IPS de 2002 a 2014. Durante sua carreira, o Sr. Lubetkin coordenou projetos com os governos da Finlândia, Itália, Espanha, Uruguai e Brasil, juntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Meio Ambiente das Nações Unidas Programa (UNEP). Em 2012, foi nomeado membro do Grupo Consultivo das Nações Unidas para o Ano Internacional das Cooperativas (IYC)

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